sábado, 19 de janeiro de 2013

XXVII – Epílogo, por Ariel Tedesco



“Eu podia afirmar que estava feliz.”
Havia sido uma grata surpresa encontrar um caderno empoeirado e praticamente escondido com anotações de papai sobre o período mais feliz e talvez mais conturbado de sua vida. Nem tudo tinha ocorrido da forma como ele desejou, mas quem é que consegue ser feliz o tempo todo? E o tempo acabou lhe sendo tirado precocemente.



– Ariel, cadê você? Está ficando tarde!
Ouço a voz de mamãe vindo da cozinha. Ela não toca a campainha! Certo, ela possui as chaves desde que me mudei para cá, a casa de papai. Foi uma das condições “sine qua non” para me emancipar. Mamãe foi morar no exterior junto com Jonh, e eu não estava nem um pouco a fim de ir. Mas isso é outra história.
– Tô indo! – gritei de volta.



Estiquei-me para devolver o caderno ao seu lugar no alto da estante. Eu gostaria de reler com mais calma depois. Agora eu teria uma nova conversa com ele, contaria sobre essa descoberta também... Eu não pude dizer tudo que eu queria quando deveria.
– Arieeeeeel! – mamãe bronqueou, entrando na sala.
– Já vou! Já vou!
Traguei mais ar que o necessário e a encarei.
– Está tudo bem? – ela perguntou.
Agora estava.



Não foi assim durante um tempo que, para mim, pareceu longo demais. Foi muito difícil encarar uma perda daquelas na tenra idade em que eu estava. Culpei a todos e cheguei a achar que a culpa era minha também. Ainda bem que o tempo cumpre o seu papel e cicatriza. Fica a marca, a dor passa e a saudade nunca acaba. Deus deve saber o que faz. É a frase em que tento me apegar. Há oito anos eu o vi pela última vez, mas não é daquela imagem que gosto de recordar, e sim de todas as anteriores, desde que sou capaz de me lembrar.



Papai beijou meus machucados “para sarar”, me carregou no colo quando minhas forças se exauriram, leu para me fazer dormir. Ajudou-me com o dever de casa, comprou figurinhas, colecionou brindes do Kinder Ovo comigo, brincou de avião. Eu lamento que meu irmão não tenha tido o privilégio de conviver com o melhor pai que alguém poderia ter, ainda que por não todo o tempo que eu pensava merecer. Pedro se esmera fidedignamente na tarefa de tentar substituí-lo.



Fiquei reprovada na escola, precisei frequentar um psicólogo. Mamãe foi bastante compreensiva comigo, o tempo todo. Léo também precisou de muita ajuda, eu não conseguia sequer imaginar a amplitude de sua dor. Ouvia dizer que havia risco de um aborto espontâneo. Eu mal entendia o que era isso, mas a expressão me dava calafrios, não suportaria uma nova perda. Agarrei-me àquela barriga, estava consternada demais para enxergar que meu irmão não era o único bônus que papai deixou para mim.



Ele nunca chegou até aquela clínica. Seu sonho foi interrompido ao virar numa esquina do caminho e, dentro das limitações da minha idade, fiz o que lhe foi impedido de fazer. Acompanhei o desenvolvimento da gravidez, o nascimento e o crescimento do meu irmãozinho. Ouvi seu minúsculo coração bater acelerado ainda no útero da mãe através dos aparelhos de ultrassom. Provoquei seu sorriso, presenciei seus primeiros passinhos desequilibrados e o ensinei a falar a palavra “papai”. Ele conheceu seu pai biológico apenas por fotos, ou raros vídeos caseiros que possuímos, pois na maioria das vezes era papai quem filmava.



Está chovendo. E sempre chove. Todos os anos naquela mesma data desde então. Andamos por alguns minutos, atravessamos a avenida e chegamos a “nossa” praia, o pedaço de areia que costumávamos frequentar.
– Olha, eles já chegaram – disse ao avistar Léo, Pedro e o pequeno Yuri, embaixo de seus guarda-chuvas. Léo agora carrega no ventre um novo bebê, uma menina segundo os últimos exames.



Leandra viveu seu luto e dois anos depois, ela e Pedro voltaram a ficar juntos. Não foi fácil de aceitar naquela época, porém, hoje entendo que era mais do que previsível, e reconheço o afinco de Pedro na tentativa de reconquistar sua mulher. Cuidou ativamente de seu grande amor, grávida do homem do qual se sentia viúva. Não a deixou sucumbir, não se deixou abalar, nem desistiu. Foi protetor quando ela se mostrou frágil e deu-lhe espaço quando ela conseguiu se reerguer.



– Você não sente mais a falta dele? – lembro-me de ter perguntado certa vez.
– Claro que sinto, baixinha... Seu pai sempre me fará muita falta. Você talvez seja muito nova para compreender certas coisas, entendo que fique chateada comigo.
– Não estou chateada. Estou triste. Não quero esquecer meu pai, nem queria que você esquecesse.
– Nunca vou esquecer seu pai, te prometo... Sabe, quando nós não conseguimos tomar a rédea de nossas próprias vidas, o destino acaba dando um jeito de decidir pela gente. Isso não quer dizer que seriam as nossas escolhas...
– Eu não entendi...
– Um dia você vai...



Cumprimentamo-nos uns aos outros, com a ternura habitual. Léo sempre me abraça e afaga com o carinho de uma mãe e meu irmão me idolatra como a uma cantora pop de fama mundial. Tínhamos aquela mesma rotina todo ano, e gradativamente nossos encontros foram ficando menos densos e mais alegres.



– “Rimã”! – ele tem a mania de brincar com a forma errada como aprendeu a me chamar.
– E aí, moleque! Quer parar de ficar mais bonito?! Não quero ter que ficar chutando as gurias ao redor de você!
Meu irmão se parece tanto com meu pai! Com exceção de seus olhos e atitudes...
– Não precisa! Dou conta de todas! – provocou.
– Pfff! – revidei. – ‘Té parece!



Senti uma mão em meu ombro, e a voz suave de Deco soprando meus ouvidos.
– Mamãe te mandou um beijo e papai pediu desculpas por não poder vir este ano.
– Ah, obrigada! – sorri sem jeito.
Deco se mostrou um amigo incansável. Segurou a barra aturando minhas alterações de humor, aguentando que eu descontasse nele toda a minha tristeza, frustração e inveja. Hoje, ele é um namorado não menos devotado.



Tio Rey dedicou-se um pouco mais ao Pôr do Sol desde que tudo aconteceu. Creio que mais por agradecimento ao seu amigo do que por necessidade, pois os voluntários sempre foram muito empenhados e competentes. Soube que Joelma, por quem Léo sempre teve especial carinho ainda está lá, agora lecionando. Léo também retornou e hoje é o braço direito de Reinaldo no projeto. Quanto a mim... Prefiro pensar que não tenho muita serventia por lá.



Tio Truta, por outro lado nunca aparecia. Não é que eu o ache insensível. Pelo contrário, Trevor foi um dos que mais sentiu o golpe pela morte do amigo, mas não tinha ninguém em quem se amparar pelos dias que se seguiram. Ninguém para lhe oferecer um ombro, dar-lhe um abraço e secar suas lágrimas. Creio que seu inconformismo o impede de participar de situações que relembrem a ocasião. Ainda é o mesmo grande farrista desbocado.



De repente, recebi um abraço que me tirou do devaneio. O perfume doce atingiu minhas narinas e me fez descobrir quem era.
– Nina! Você veio!
– Oi, florzinha!
Nem todo ano Nina conseguia se unir a gente naquela data, por conta de seus inúmeros compromissos n’outro continente. Mas eu sei que ela sempre fazia o possível.



No dia fatídico, Nina largou tudo que estava fazendo e pegou o primeiro avião para Belladonna, assim que soube da tragédia. Não saiu do meu lado um só instante e segurou minha mão durante a cerimônia de cremação. Ela continua solteira, e sempre desconversa quando pergunto sobre relacionamentos, diz que é muito ocupada e não tem tempo para namoro. Ano passado, tive a oportunidade de conhecer o Ivã e torço muito para que ele não desista de conquistá-la.



Não faltava mais ninguém. Esse ano, Nicole e tia Débora também não poderiam vir. Nick e Neto estavam morando do outro lado do planeta, onde ele defendia a camisa de um time de futebol dos Emirados Árabes cujo nome eu não consigo me lembrar. Minha prima havia acabado de dar à luz trigêmeos, e tia Débora viajou para ajudá-la. Há tempos o casal vinha tentando ter filhos sem êxito, e nos últimos anos investiu em novos tratamentos para fertilidade.



Já, o vô Ernesto jamais se recuperou.
“Minha querida, a ordem natural das coisas seria eu ir primeiro, antes de todos. Mas sou uma pessoa tão ruim que fui condenado a permanecer vivo para assistir a morte de minha esposa e de meu único filho...”, disse-me pouco tempo antes de se internar em um asilo e, apesar dos protestos de sua irmã e sua sobrinha, ninguém foi capaz de impedi-lo. Por conta de suas facilidades financeiras, o lugar que vovô escolheu não é deprimente como sugere a fama desses estabelecimentos, e sempre que posso, vou visitá-lo na companhia de seu outro neto.



Apesar da formação religiosa que teve na infância, papai não era de frequentar cultos ou missas, mesmo sendo um homem de fé. Ele costumava acreditar mais na benfeitoria de ações do que na de orações, e o Pôr do Sol é um exemplo. Mas quando o destino surpreende de uma forma tão trágica, é muito natural se apegar a preceitos místicos que nos proporcionem algum alívio.



Caminhamos para uma nascente ali perto, o local que havíamos escolhido para jogar as cinzas de papai oito anos atrás. A água doce que brotava do alto, despencava pelas pedras e escorria pela areia até o mar. Ele adorava essa praia e para sempre ficaria próximo de casa. Próximo de mim.
Obedecendo ao ritual de outros anos, Yuri e eu plantamos, cada um, uma nova flor e os demais nos acompanhavam, orando em silêncio.



Depois disso nos despedíamos, então. E cada um voltava a sua rotina. Menos eu. Eu sempre fico um tempo a mais. Não me importo com a chuva, gosto de me esparramar no chão úmido e falar com papai em voz alta, como se fala com alguém que está ao seu lado. Ele só não podia mais me responder. Deco beijou suavemente minha boca, salgada por algumas poucas lágrimas.
– Tô te esperando lá em cima no calçadão, ok? Vou te acompanhar até em casa.



– O que acha disso heim? – perguntei olhando pro jardim. – Você diria pra mim “eu já sabia!”, hã? É, eu sei que diria... As notas do Yuri em matemática melhoraram, mas como ele consegue ser tão ruim numa matéria fácil como ciências? A Léo chamou um professor particular, eu queria ajudar, mas não tenho tido muito tempo... Já te falei que vou fazer engenharia de produção mesmo, não falei? Eu sei, nada a ver, sempre pensei que faria alguma coisa relacionada a artes, mas... sei lá, acho que fico querendo me ocupar, e estudar é uma ótima desculpa. Você deve estar se perguntando por que não me ocupo com o Pôr do Sol então, né? Me perdoa, pai! Eu ainda não consigo... Tudo lá está impregnado de você, eu não consigo.



Enxuguei o rosto, suspirei e me deitei sob os ramos.
– Sabe pai, ainda sinto muita saudade de você, não me acostumo, mas tenho que me conformar, né? Ah! Achei seu caderno e vou guardar com carinho... Talvez eu mostre ao meu irmão daqui a alguns anos, ele vai gostar de saber a sua versão dessa história. Esse vai ser nosso segredo, só de nós três. Vou ser chata se agradecer novamente por todos os beijos de boa noite, todas as conversas e cosquinhas? Tá! Vou ser mesmo assim... Brigada, pai! De verdade, por tudo... Obrigada pela sua enorme lição sobre o amor... Vou te amar pra sempre, papai.






sábado, 12 de janeiro de 2013

XXVI - O Pequeno Milagre



Não podia me conformar com aquela frase dita ao telefone, e embora eu sempre respeitasse a vontade da Léo desde muito antes de ficarmos juntos, simplesmente não consegui me conter em não voltar até o seu apartamento mais uma vez. Se fosse um fim definitivo, que fosse cara a cara.



Também não foi uma surpresa agradável ouvir a voz de Pedro no interfone daquela vez.
– Vai embora! Não precisamos de você aqui! A Léo já está sendo cuidada.
– Se não deixá-lo subir eu vou descer, Pedro! – ouvi a voz de Léo ao fundo. – Não seja infantil, pelo amor de Deus!
Ouvi o clique do fone ao bater na base, e logo em seguida a porta se abriu para que eu pudesse entrar.



– Você é tão inconveniente... – foi o cumprimento de Pedro. – Sabe, eu queria muito poder te quebrar agora... Muito.
– Então porque você não quebra? – desafiei, embora não entendesse o que havia acontecido com a trégua que ele mesmo propusera alguns dias antes.
– Porque ela não vai deixar... – apontou para Leandra que surgia atrás dele. Ainda parecia abatida, mas não tanto como na noite anterior.
– Se não vão se comportar como cavalheiros, eu prefiro ficar sozinha.



Estranhamente Pedro se aquietou. Alguma coisa muito esquisita estava acontecendo ali.
– Eu vou buscar o seu remédio. Vê se você se senta! Seu pai disse que você precisa de repouso.
– É, e de sossego também, não esqueça! – rebateu com sarcasmo.
Pedro rosnou alguma coisa não entendível antes de sair, mas eu não dei importância.
– O que é que você tem, Léo? – estava sinceramente preocupado.




Léo segurou minha mão, entrelaçando nossos dedos. Eu queria tanto tocá-la!
– Desculpe... – pediu. Seus olhos rasos d’água, como na noite anterior. – Eu... não queria que fosse assim, não queira que fosse dessa forma. Não queria que fosse nesse momento... Desculpe...
Senti meu estômago revirar e prendi a respiração.
– Você... e Pedro... – eu estava gaguejando como alguém que havia acabado de aprender a falar, mas precisava concluir minha pergunta – Vocês estão... juntos? Vocês se acertaram?



– Não... Ele está aqui apenas cuidando de mim... Como sempre...
Não resisti e acariciei seu rosto. – Eu poderia fazer isso... Eu posso cuidar de você.
– Eu não quero sair daqui, Yuri. Não quero ir para sua casa agora. Apesar de...
– De... – estimulei-a a completar.
– Eu nunca pensei que seria tão difícil... Mas também nunca imaginei que estaríamos nessa situação...
– Leandra, você está me assustando!



Creio que aquela foi a primeira vez que a chamei pelo nome, e de alguma forma isso a intimidou.
– Eu... estou esperando um bebê.
Não tive tempo de esboçar qualquer reação, pois Pedro voltava para a sala e rangeu os dentes mais uma vez.
– Parabéns, seu boçal!



Ele tinha razão, eu devia estar mesmo parecendo um. Meu maior sonho se realizando e eu não sabia como encarar aquele momento. Eu a queria! Oh! Eu não tinha dúvidas de como eu ainda queria aquela criança, mas não somente ela. Eu queria o pacote completo, eu queria o tamanho família.
– Não vai falar nada, idiota?
– Cala a boca, Pedro! – Léo pediu, engasgando. – Não percebe o quanto já está sendo duro? Por favor, não dificulte mais as coisas!



Juntei as forças que me restavam e a abracei.
– Volte comigo. Volte para mim, Léo... É o nosso momento, é o nosso milagre...
– Eu não posso... Não agora, por favor, compreenda. Eu não quero que estejamos juntos só por causa desse filho.
Só?! Ela perdeu a razão? Como, só?! Já seria motivo o suficiente, mas e quanto ao nosso amor? Ele não havia se esvaído, sumido na fumaça, ou havia? Não havia, pelo menos não o meu.



Segurei e sacudi seus ombros, como se minha ação pudesse acordá-la de algum transe.
– O que posso fazer para você confiar em mim?
– Apenas confiar de volta. Eu não tive tempo de absorver tudo isso...
– Você... Só soube agora?
– Ontem, pelo meu pai. Ele não é obstetra, mas... E eu ainda preciso fazer uma batelada de exames, é claro, só que... quando ele me deu o diagnóstico, eu tive certeza. Meus sintomas e bem... nós não estávamos exatamente evitando, não é?



Pedro fez mais uma de suas caretas e saiu da sala resmungando novamente. Tentei me colocar em seu lugar para tolerar seu comportamento, ao mesmo tempo estava magoado por ele ter recebido a notícia antes de mim.
– Você podia ter me ligado, me contado, eu viria e ficaria com você. Porque preferiu chamar logo ele?
– Eu não chamei, mas ele é meu irmão. A notícia do meu mal estar certamente chegou até ele, e ele apareceu logo depois que você saiu. E... eu gosto que ele esteja aqui. Consegue entender?



Eu precisava voltar a ser racional. Sempre fui ciente de que a presença de Pedro seria algo com o qual eu teria que conviver. Entretanto, era perturbador que ele soubesse da existência do meu filho antes de mim. Inspirei profundamente e me deixei escorregar pelo tronco de Leandra. Pus-me de joelhos a sua frente, e ainda que fosse impossível sentir qualquer movimento do bebê naquele estágio da gestação, pousei mão e cabeça em seu ventre.
– Está bem, Léo... Eu compreendo e te darei o tempo que precisar. Apenas, por favor, deixe-me participar do processo, está bem? Na medida do possível, deixe-me acompanhá-la aos exames... Ok?
– É claro que sim! – respondeu afagando minha cabeça – Nunca privaria você disso... Já temos uma ultra amanhã...



Voltei para casa em meio a um combinado de sensações e sentimentos. Euforia, frustração, e um misto de alento e desesperança, se é que isso é possível. Olhei mais uma vez para o pedaço de papel com as anotações que Léo me entregou ao se despedir. Provavelmente não daria para enxergar quase nada no primeiro exame de ultrassonografia, mas poderíamos ouvir o coraçãozinho do nosso bebê batendo. Eu podia afirmar que estava feliz.



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Queridos, chegamos ao final da penúltima atualização, o próximo capítulo será o epílogo e pretendo fazê-lo e de uma vez só, portanto peço a compreensão de vocês se eu não conseguir fechá-lo em apenas uma semana, talvez eu precise de um pouco mais de tempo para concluir tudo. Tentarei mantê-los avisados. Bjks.




sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

XXV – Ano Novo (Parte III)



Deixei as horas passarem na tentativa de acalmar os ânimos, mas parecia inútil. Sentia o sangue pulsando em minhas veias, tamanha adrenalina eu ainda liberava diante da tensão de um encontro com Leandra. Estacionei em frente ao seu condomínio e usei o interfone.
– Estou aqui embaixo, pode descer para conversarmos, por favor?
– Não. Suba você. – foi sua resposta. Seca e direta.



Eu nunca havia posto meus pés naquela casa. Ela sabe que eu sempre evitei esse momento e conhece os meus motivos, portanto aquilo só podia ser proposital, uma punição pelo meu vacilo, pelo meu mau comportamento, por tudo o que a estava fazendo passar. Entrei no elevador e apertei o botão da cobertura. Não era um edifício muito alto e logo a porta se abriu para eu saltar no andar onde ela me aguardava na entrada.
– Entra. – ordenou.



Léo caminhou para dentro do amplo apartamento e eu a segui. Percebi caixas empilhadas em um corredor que supostamente levaria até a ala íntima.
– Não repare a bagunça. Por incrível que pareça, não passei tempo suficiente aqui para desencaixotar todas as minhas coisas. E com tudo que aconteceu, eu não sabia mais para onde ia mesmo... enfim... Vamos conversar ali no escritório.
– Que formalidade toda é essa comigo, Léo? Conversar no escritório?



Ela parou e se virou para mim, já com as lágrimas que não conseguia conter escorrendo por suas faces.
– Você quer falar aqui de pé no vestíbulo? Vai terminar comigo tão rápido assim?
– Oh, meu Deus, não! É claro que não! Léo... Eu te amo, não quero terminar com você, por favor...
– Você me ama? Você me ama?! Como pode dizer isso depois do que assisti hoje?!
– Você sabe que é verdade, Léo! Se tivesse alguma dúvida, não me faria subir até aqui, sequer me atenderia, muito menos estaria me ouvindo agora... Você ainda pode sentir. Eu amo você.
– Mas está apaixonado por ela!



– É, eu estou... – confessei deixando meus ombros caírem, derrotado. Como eu desejava ser um mentiroso. Mentiria descaradamente olhando em seus olhos apenas para não vê-la magoada desse jeito. Nem para isso eu servia.
– Mas que merda, Yuri! – Leandra urrou deixando escapar o pranto frouxamente agora.
– Eu... eu posso lidar com isso...
– Mas eu não posso! Eu não consigo, e eu não quero!
Eu desejava pedir a ela que confiasse em mim, mas com que argumentos?



– Eu não te conheço mais, Yuri.
– Não fale assim, Léo... – me aproximei tentando consolá-la.
– Você e Pedro brincaram com meu coração! E com o da Nina... Isso foi muito cruel.
– Me desculpe... Eu nunca... nunca pensei te magoar dessa forma. Nunca imaginei que chegaríamos a isso, eu... Meu Deus, como eu quero poder fazer qualquer coisa pra consertar isso!
Será que algum dia eu me odiaria mais do que naquele momento?
– Eu acho melhor você ir agora...



Eu a encarei e de repente ela parecia pálida.
– Você está bem?
– Eu... estou... só... preciso... descansar... – respondeu pausadamente.
– Você não está parecendo bem... Quer que te leve a um hospital? O que está sentindo?
– Nada... Só estou cansada. Preciso me deitar. Vá embora.
– Tudo bem Léo, vou respeitar sua vontade e partir, mas antes vou te colocar na cama e ligar para o seu pai. Não posso te deixar assim.



– Já disse, não precisa deixar meu pai preocupado. – ela insistiu depois que a acomodei em seu quarto. – Eu vou ficar bem, foi só uma queda de pressão, não é nada demais.
Eu ignorei e continuei aguardando ao telefone.
– Yuri! Você tá surdo?!
– Alô, Dora? – disse ao ouvir a voz da madrasta de Léo outro lado da linha. – É Yuri, tudo bem? Posso falar com o doutor Olívio?



Sais aromatizados e água morna não seriam suficientes para apaziguar minha alma, ainda que me proporcionassem algum conforto. Agora não me preocupava apenas com o nosso relacionamento, mas também com a saúde de Leandra. Que mal estar foi aquele sem motivo aparente? Tentava me conformar com o fato de ela não poder estar em melhores mãos. Além da competência inquestionável, o médico era pai da paciente.



Aguardei ansioso e insone até a manhã seguinte para buscar notícias. Não havia esperança de receber espontaneamente um telefonema da Léo, então tomei a iniciativa de ligar.
– Como você está? – perguntei assim que ela atendeu.
– Estou bem...
Havia algo de estranho em sua voz, no entanto eu não sabia dizer o que era. Só não parecia... sincero.



– O que é que está havendo?
– Não está havendo nada, eu já disse! Eu estou bem.
– E como estamos NÓS, Léo?
Houve um espaço de silêncio e pude ouvir sua respiração premeditando a resposta que eu não desejava receber.
– Nós não estamos, Yuri.