sexta-feira, 26 de outubro de 2012

XXIV – De Última Hora (Parte II)



Apesar de ter sido pego de surpresa com a notícia, era de se esperar que isso acontecesse.
– Então?
– Eu sei que você tem o costume de passar a véspera de Natal na tia Débora. Mas eu tinha pensado em convidar pra ceia lá de casa. Todos vocês. Só que agora é uma decisão que precisamos tomar juntos. Eu estou com você e isso é algo que Pedro precisa aceitar. Mas eu não quero criar nenhum constrangimento pra sua família, nem pra gente...




– Não precisa de cerimônias comigo, Léo. Se fizer o convite, eu irei. Não tenho medo do Pedro, ou de qualquer coisa que ele possa falar. Tampouco o considero um selvagem. Acho que a última coisa que ele deseja é magoar a família de vocês.
– Você sempre me surpreende, sabia?
– Me conhece tão pouco assim?
– Com certeza você me desvenda muito mais facilmente. Mas acho que já nasceu com esse dom. Sinto que não posso esconder nada de você...




– Eu prefiro que não esconda.
Ela me abraçou. – Nem preciso. Sabe... Eu sempre fui tratada com excesso de zelo por todos em minha volta. Isso inclui o papai, minha madrasta, o Pedro e até mesmo a Nicole! Você foi a primeira pessoa que não me olhou como alguém vulnerável, nem me cercou de cuidados. Então por que é justamente aqui, em seus braços, que eu me sinto mais protegida?
Eu não sabia responder, mas a forma carinhosa com que falou revelava se tratar de uma sensação prazerosa, e isso me bastava.




Nos dias que se seguiram Leandra praticamente havia se mudado para minha casa. Não poderia afirmar se isso se devia ao recesso de suas aulas, ou ao temor de encontrar-se sozinha com Pedro, caso ele resolvesse aparecer no apartamento. Sua ansiedade aumentava à medida que o Natal se aproximava.
– Tudo bem se mudar de ideia, Léo. – procurava aliviá-la. – Não precisa se torturar em expectativas.
– Tem que acontecer mais cedo ou mais tarde não tem? – tentava se mostrar corajosa.




Para minha sorte e deleite, Léo tinha o dom de canalizar sua tensão e transformá-la num apetite sexual voraz, transformando aquelas poucas noites em verdadeiras maratonas lúbricas. Entregava-se ao sexo sempre de tal maneira, que seu corpo parecia emitir luz ao atingir o orgasmo. Dias felizes, noites ardentes.




Eu não deveria, mas estranhei o fato de Pedro não procurá-la. Não querer estar a sós com ela antes ou até mesmo não se pronunciar sobre a minha presença na casa do doutor Olívio. Eram pais dele também, afinal. Por conta disso, cheguei a imaginar que havia decidido não participar da ceia, se trancafiar no quarto ou se enfiar na casa de algum amigo, como o Zeca.




Mas não. Ele estava na sala com os demais e nos recebeu com seu sorriso debochado. Cumprimentou a todos, apertou minha mão desejando-me feliz Natal, deu um abraço e um beijo mais longo do que eu gostaria na bochecha de Leandra, segredou algo em seu ouvido, depois arrastou Neto para uma conversa em outro canto do outro lado da sala, e não mais se aproximou.




Olhei para Léo, que tentou disfarçar a sua consternação sem efeito. Colocou-se ao meu lado e não se afastou durante toda a noite, nem para conversar com Nicole que observava silenciosa e atenta cada uma de nossas reações. Dora também parecia tensa, e eu me arrependi de ter aceitado aquele convite. Ainda era muito cedo para todos lidarem com aquela situação.




Houve pouca conversa durante a ceia, e a tradicional troca de presentes não aconteceu, o que era bastante previsível. Dora apenas distribuiu os embrulhos postos embaixo da árvore de acordo com o nome em sua etiqueta. Até Ariel sentiu o clima e, diferente de outros anos, não se animou nem ao abrir os seus e descobrir o que havia ganhado. Lucas era único imune ao humor ao seu redor.




Depois disso, Pedro deu boa noite e saiu sozinho. Só então me pareceu que a respiração de Léo voltou ao normal. Estava claro que ela sobreviveria àquela noite, mas a quantas mais?
– Quero ir pra casa... – ouvi a voz de Ariel.
– Vamos, minha querida, vamos... – Léo respondeu antes de mim.




Não quis perturbá-la mais com nada daquilo, portanto apenas perguntei se estava tudo bem. Ela assentiu com a cabeça e sussurrou um “eu te amo, Yuri” quase inaudível antes de virar para o lado e adormecer. Quanto a mim, não consegui dormir.




Assim que amanheceu, levantei em silêncio para não acordá-la. Havia uma mensagem de texto no meu celular, o que me fez lembrar que deveria ligar para meus amigos, mais tarde. Abri para ler, era de Nina, com votos de feliz Natal para mim, Léo e Ariel. Respondi, retribuindo o seu carinho conosco. Talvez Nina nunca deixasse de me surpreender.




Repousei o aparelho e ouvi batidas fortes na porta e o soar frenético da campainha. Pedro estava esmurrando o vidro da entrada e não fosse um blindex espesso e resistente, ele poderia arrumar um grave acidente. Abri a porta para não correr risco.
– Ficou maluco?!
– Cadê a Léo? Eu quero falar com a Léo!
Ele vestia a mesma roupa da noite anterior e estava alterado.
– Ainda está dormindo! Você tem o número dela, por que não vai para casa, descansa, toma um banho e liga pra ela mais tarde?




– Vocês transaram?
– Que tipo de pergunta é essa, Pedro?
– Uma pergunta simples! Ontem à noite, vocês transaram ou não transaram?
– Eu não vou te responder! Não é da sua conta!
Ele sorriu triunfante. – Não transaram... Eu sabia! Léo! – berrou para dentro do corredor. – Eu quero falar com você!
– Escuta, Pedro... Pare de gritar. Vai acordar não só a Léo, mas Ariel e todos os vizinhos também. Por favor...




Ele obedeceu e voltou-se para mim, com tom ameno.
– Você é campeão de fracassos em relacionamentos, Yuri. Só está arrastando Léo para mais um.
– Você não sabe nada da minha vida. Cale a boca! Estou tentando manter o controle, mas não chega a ser um sacrifício perder minha educação com você!
– Não sei? Talvez eu saiba mais do que você imagina... Por exemplo, você sabia que sua ex, a Nina, está aqui? Em Belladonna?




Não, eu não sabia. Como não sabia que Léo havia despertado com toda aquela algazarra no hall de entrada e descera as escadas a tempo de ouvir as últimas palavras de Pedro.
– Desde quando você conhece a Nina? – ela perguntou surpresa.
– Você não contou mesmo a ela? – foi a vez de Pedro perguntar, incrédulo. – Não achei que teria consideração por um pedido meu...
Eu estava petrificado, de raiva e arrependimento.




– Podem me explicar que diabos está acontecendo aqui?! – Léo exigiu.
– Eu... Eu vim te buscar, Léo. Volta pra mim... – soluçou.
– Pedro, você bebeu?
– Não estou bêbado! Não estou!
– Não posso acreditar que você se prestasse a esse papelão se estivesse sóbrio!
– Sinto vergonha de uma infinidade de coisas erradas que eu já fiz, Léo, mas não tenho vergonha do que sinto por você. Eu te amo, venha comigo!