sexta-feira, 27 de julho de 2012

XXIIII – Previstos e Imprevistos (parte II)


Assim que me vi sozinho em meu quarto, liguei para Léo. Não havia surpresa em sua reação embora transparecesse sua alegria diante das notícias.
– Eu não duvidei nem por um minuto que poderia ser diferente, Yuri. Estou muito, muito feliz! Por você e pelo Pôr do Sol.
– Obrigado, Léo... Não tem ideia de como também estou feliz de saber já estarei com você amanhã...
– Que bom, porque estou com saudades, Yuri. Sinto sua falta. Você me acostumou muito mal...



O táxi passava por ruas que eu jamais reconheceria se retornasse a Turim, porque eu não estava prestando atenção. Não me sentia bem. Nem havíamos chegado à boate onde foi marcada a comemoração, e eu já estava arrependido. Mas esse não era o único motivo do meu mal estar. Minha consciência pesava porque eu não tinha dito a Léo que estava saindo para uma festa, assim com também não comentei sobre meu breve encontro com Nina.



Eu não via problema em contar e contaria. Apenas acreditei que seria melhor fazê-lo pessoalmente, quando estivéssemos juntos e eu pudesse ler sua expressão, tanto quanto ela pudesse ler a minha. Então porque eu me sentia como se tivesse engolido uma bigorna?
– Relaxa, Yuri! É só uma boate! – Lis me advertiu e eu tentei sorrir.



Eu me esforçava para acompanhar Lis e Andréa na pista de dança, mas estava difícil. O alto volume da música eletrônica socava meus tímpanos, enquanto o piscar das luzes em cadência me cegavam. Não havia como conseguir me equilibrar e por duas vezes quase fui ao chão. Aquilo não era para mim.
– Vou até o bar! – urrei tentando avisá-las, mas duvido que tenham entendido.



Não houve muita melhora, mas pelo menos eu pude me sentar. Pedi um drinque cuja cor me desencorajou a perguntar do que era composto e apenas bebi. Voltei para procurar Lis e Andréa novamente e custei a acreditar no que via. Eu não estava bêbado, definitivamente não, mas cogitei a possibilidade de aquela fluorescência em minha bebida ser derivada de algum alucinógeno.



Parei para observar o homem na pista dançando com umas três mulheres e refleti por alguns segundos. Certo. Não era tão absurdo, afinal Pedro mora em Turim, mas qual a probabilidade de topar com ele no meio de uma balada e justamente na minha última noite na cidade? Escaneei a boate em busca de um lugar onde pudesse esperar até que Lis se cansasse e pedisse para ir embora.



Uma das mulheres – uma loira cujo cabelo batia quase na mesma altura de seu vestido –, se aboletou no pescoço de Pedro e tascou-lhe um beijo no melhor estilo desentupidor de pia. Tentei aproveitar a oportunidade e sair do ambiente, porém, ao me virar, outra pessoa surgiu diante de mim. Aparentemente, era a noite das surpresas.
– Que bom que tenha encontrado um tempo para se distrair afinal, Yuri!



O sorriso de Nina sempre era a primeira coisa que se via nela. E os olhos, esferas lapidadas de água-marinha, logo em seguida.
– Nunca imaginaria encontrar você aqui...
– Não duvido, eu nunca viria neste lugar por vontade própria.
– Não é tão ruim assim, vai!
– Não é... Só não é um lugar pra mim.



– Quer que eu chame um táxi pra te levar embora? – outra voz perguntou e só então percebi que Nina estava escoltado por seu amigo Ian.
– Acredite, eu gostaria, mas seria indelicado visto que minhas amigas estão se divertindo...
– Oh, você está acompanhado... – Disse em tom de deboche. E eu nem poderia condená-lo por não fazer questão alguma em ser agradável.



– Yuri! Aí está você! Eu estava te procurando! Onde você se meteu? – Lis parecia ter surgido do nada.
– Eu avisei que ia até o bar... Mas a música está muito alta... Talvez não tenham entendido. Você se lembra da Nina e do Ian, não é? – é claro que ela se lembrava, fiz a pergunta apenas para que ela percebesse a presença dos dois.
– Oh! Desculpem! Olá, não notei que eram vocês!



Dito isso, se deu uma mudez inesperada e constrangedora. Imaginava que Nina tomaria o rumo da pista de dança ou se sentaria no bar com Ian, mas ela não se moveu e me encarava de uma forma suplicante que me fazia sentir muita raiva de mim mesmo. Era óbvio que desejava respostas tanto quanto se mostrava disposta a não sair dali sem elas.
– Hey, Lis! – Chamou Ian, compreendendo os sinais ainda que contrariado. – Eu adoro essa música, vamos dançar!



Encontramos um lugar mais isolado e menos barulhento, e nele nos acomodamos frente a frente. Ela continuou me encarando em silêncio numa tentativa clara de me forçar a falar primeiro. Eu não tinha o que dizer a não ser reafirmar o quão miserável eu fui.
– Sinto muito, Nina. Você não merecia passar por nada disso. Fique a vontade para dizer o que quiser, ou me xingar, porque não existe nada que eu possa pra fazer pra me redimir.
– Talvez não haja nada mesmo... Mas eu gosto muito de você para ainda sentir raiva ou guardar rancor pelo sua atitude.



– Isso não faz com que eu me sinta melhor, acredite.
– Não estou falando pra você se sentir melhor. Você sabe que prezo a sinceridade, sempre. Estou contente de ter encontrado você.
– Eu também. Isso sim, me alivia um pouco. Poder ver que você está bem.
– É, eu estou... Confesso que minhas pernas bambearam quando dei de cara com você no aeroporto, mas...
– Fique tranquila, se você não me dissesse eu nunca ia desconfiar...



– Tudo bem, não sinto nenhuma vergonha de assumir isso pra você.
Lá estava eu, entrando naquele joguinho, tentando adiar o inevitável: as respostas para as perguntas que ela realmente desejava fazer. – Eu não conto pra ninguém...
– Foi uma surpresa e tanto. Ainda mais porque achava que quando esse encontro acontecesse, haveria outra pessoa ao seu lado.
– A Lis é só uma amiga...
– Está brincando! Já percebeu o modo como ela olha pra você?



– Tivemos alguma coisa. Mas é passado.
– Então eu não estava errada em meu julgamento, não é? – Perguntou com uma súbita certeza. – Você ficou por causa da Léo...
– Aconteceu tanta coisa... – Eu desviei meu olhar, não conseguia encará-la. Porque era tão difícil? – Estou tentando achar por onde começar...
– Não precisa se explicar... Acho que tudo que eu tinha pra saber, você já tinha dito... Eu assumi o risco. Só... lamento que... pra você, não tenha tido... a mesma importância.



Os olhos dela estavam quase transbordando, e lamentei mais ainda por achar que aquela conversa merecia um lugar melhor para acontecer.
– Não fale assim. Eu me apaixonei por você, Nina. De verdade, eu sei que você pôde sentir.
– Mas me esqueceu tão rápido, não é? – perguntou sem piedade, sem tempo de reflexão.
Ainda que minha razão me pedisse para confirmar aquela mentira, foi a verdade que saiu de minha boca. – É claro que não. – afaguei-lhe a mão.



Mal terminava de balbuciar, quando Pedro subitamente nos interrompeu com seus trejeitos gaiatos.
– Mas ora, vejam só quem apareceu no Velho Mundo...
– Boa noite, Pedro.
Ele alternava o olhar de mim para Nina e de volta para mim. – Não que seja da minha conta, mas o que faz tão longe de casa e, pelo visto, da razão de seu afeto também?
Não havia outra coisa a ser dita: – Você mesmo já respondeu, Pedro... Não é da sua conta.




sexta-feira, 20 de julho de 2012

XXIII – Previstos e Imprevistos (parte I)



– Então... Você parece ser a mais feliz das criaturas, heim? – comentou Lis, depois da decolagem do avião.
– Não tento disfarçar, não é?
– Não... Realmente. Também não posso reclamar da sua honestidade. Apenas lamentar não ter a sorte de Léo.
– A sorte é minha, Lis. Não dela.
– Eu discordo, mas sei que pensa assim e tinha certeza que diria isso.



– Você e Günter também parecem muito bem. – tentei atenuar.
– Estamos, é verdade... – houve alguns minutos de um silêncio constrangedor antes de ela completar. – Mas invejo a Léo, me desculpe. Não consigo deixar de imaginar como teria sido se ela não existisse.
– Lis, eu...
– Ok, ok... não vou te perturbar com coisas que você já sabe. Não poderia sentir raiva dela por causa disso, muito menos de você.



Não havia nada que eu pudesse dizer, e o restante da viagem seguiu em um silêncio. Eu não esperava por aquele diálogo de maneira tão explícita. Não depois de tanto tempo, mas as surpresas estavam apenas começando. Ainda no desembarque, dentro do aeroporto de Turim, deparei-me com uma visão inesperada.
– Nina?! – cheguei a pensar estar vendo coisas. Qual a probabilidade de nos encontrarmos naquele lugar?



– Quem? – Perguntou Lis. As duas não chegaram a se conhecer. Lis ainda estava de férias quando levei Nina para conhecer o Pôr do Sol.
Eu não sabia o que fazer. Minha vontade era cumprimentá-la, porém nosso último contato deixava-me a impressão de que ela poderia não gostar. – Uma... uma amiga. – gaguejei. Nina não estava só. Falava com uma pessoa a sua frente naquele entusiasmo que lhe era característico.



No momento em que decidi continuar meu caminho sem interrompê-los, ela me avistou. Abriu um sorriso que poderia ter mil significados e, de certa forma, me perturbou.
– Yuri! – Exclamou, enquanto se aproximava.
Eu ainda tentava engolir a saliva presa em minha garganta, o que me fez engasgar. – Oi, Nina... – Era a mesma Nina. Incrivelmente bela e meiga, de estrutura delicada e sorriso cativante.



– Está perdido? – Perguntou com certa acidez, ao mesmo tempo em que seu acompanhante também nos alcançava.
– Não, eu...
– Estamos apenas procurando por um taxi que nos leve até o Hotel President. –
Lis interrompeu meu lapso momentâneo. – Sabe onde podemos conseguir um?
– Eu levo vocês! Disse o homem. É bem no nosso caminho...



No percurso fui apresentado a Ian, aquele mesmo amigo de Nina que atendeu seu celular quando eu não tinha mais esperanças de conseguir falar com ela. Com igual cortesia apresentei ambos a Lis.
– Então estão aqui para o congresso? Que bacana! – Nina pareceu sincera em sua observação. – Pra variar, eu estou aqui atrás de preciosidades em leilões...
– E eu atrás da minha preciosidade particular... – revelou Ian.



Nina lançou um olhar reprovador para seu amigo que fingiu pouco caso.
– Vim de Florença até aqui só pra fazer companhia a Nina, sabe? Não gosto de deixá-la sozinha por aí... E agora tenho certeza que não perdi minha viagem.
Lis tinha a expressão confusa e fazia esforço para não ser indiscreta. – Que bom que tem amigos aqui, não é? Assim não vamos nos sentir tão perdidos...



Nina convidou-nos para um chá, mais tarde no hotel em que ficaria hospedada. Lis parecia bastante inclinada a aceitar, e eu a lembrei que tínhamos muito trabalho pela frente.
– Não vão nem conhecer a cidade? – Nina perguntou quase decepcionada.
– Desculpe, mas além das palestras programadas para assistirmos, ainda precisamos preparar nossa própria apresentação. Creio que estaremos ocupados demais pelos próximos dias...
– Que pena! – exclamou Ian em uma falsa lamentação.



Não era uma simples desculpa para não estar com Nina. Na verdade eu ainda pretendia ter uma conversa decente com ela um dia, mas aquela situação era totalmente inoportuna. A presença de Lis e de Ian, os poucos e corridos os dias que compreendiam o congresso, uma palestra para preparar. Durante toda manhã e uma parte da tarde, permanecíamos ocupados com os eventos, portanto tínhamos somente a noite, logo após o jantar, para nos prepararmos. Eu estava tão empolgado, que acabávamos avançando pela madrugada com minhas anotações.



Apesar de tudo, eu sempre arrumava um tempo para ligar para Léo.
– Estamos bem, Yuri... Ariel está super comportada!
– Sei... – duvidei.
– É sério. Está até me ajudando nos estudos, me tomando lições... É uma figura.
– Estou com saudades de vocês...
– Nós também...
“Beijo, pai!” ouvia a baixinha gritar do outro lado.



Na véspera da apresentação estávamos exaustos por conta das noites mal dormidas, e achei por bem encerrar nosso trabalho muito antes do horário de costume.
– Não há como fazer melhor que isso, com o tempo que tivemos... Vá descansar...
– Está perfeito, Yuri. Você está preocupado a toa. Ama tanto aquele lugar que seria capaz de falar de improviso, sem nenhum recurso audiovisual e sem a minha ajuda, e todo mundo aplaudiria de pé.
– Se pensa mesmo assim, porque me deixou te explorar dessa maneira?
– Porque era isso que você queria e eu gosto de você. E agora pelo menos eu posso te cobrar uma bebida.



Precisei dar o braço a torcer. O público ouvinte foi participativo o tempo inteiro, e no final, recebi aplausos pelo projeto e propostas de parcerias.
– Vamos, cara! Admita que eu estava certa! – Exigia Lis cheia de sorrisos.
– Ok, eu admito... Foi uma boa palestra...
– Boa?! Ah, Yuri, não ferra! Você foi fantástico... Como sempre...
Era verdade, eu estava otimista diante do resultado.



Andréa também fez questão de me cumprimentar e tecer elogios.
– Parabéns, Yuri! Foi realmente produtivo ouvir seu discurso. O Pôr do Sol não só é um exemplo que deu certo. É um projeto totalmente inspirador.
– Fico feliz que tenha gostado, Andréa.
– Feliz fico eu, por ter aceitado meu convite. Espero que renda frutos pra sua instituição também... Escute, como não podia deixar de ser, meu colegas da organização programaram uma festinha pra comemorar o encerramento do congresso... Vocês não querem ir?



Eu não estava nem com vontade, nem com disposição. Mas quem disse que eu conseguiria persuadir a Lis? Estávamos de volta ao hotel e ela se matinha irredutível.
– É o mínimo que você pode fazer, depois de tudo, Yuri! É só uma festa, com pessoas interessantes e inteligentes, qual o problema?
– Nenhum, Lis... Eu só estou exausto. Prefiro dormir.
– É, mas você ainda me deve um drinque... – arrematou, e eu me vi sem alternativa.




sexta-feira, 13 de julho de 2012

XXII – O Convite



Trevor marcou comigo em uma confeitaria tradicional e bem conceituada, diferente de qualquer lugar que ele costuma frequentar, principalmente àquela hora da manhã. Fiquei remoendo o porquê do clima de mistério assim como o da cerimônia do local escolhido, enquanto dirigia até lá. Eu nunca poderia adivinhar.



Uma mulher atraente e elegante fazia companhia a Trevor quando eu cheguei. Ele a apresentou como sua amiga, Andréa Dumont, e reconheci o nome de imediato, apesar de sua feição não me ser familiar. Andréa Dumont é uma bióloga internacionalmente conhecida por seu engajamento na propagação da ideia de responsabilidade sócio-ambiental. Estranhava-me muito que fizesse parte do currículo de meu amigo.



Durante o encontro, ela se mostrou interessada em visitar o Pôr do Sol, pois Trevor havia tecido elogios sobre a instituição.
– Trev me disse que é um lugar auto-sustentável. Você me mostraria?
– Claro, Andréa. Quando puder...
– O mais rápido possível, estou numa correria absurda e não pretendia ficar nem mais um dia em Enseada, mas seu amigo me deixou bastante impressionada em relação ao Pôr do Sol...



– Não só em relação ao Pôr do Sol, eu diria... – gabou-se Trevor, com toda a pouca vergonha que lhe é peculiar, e Andréa reagiu com um sorriso sincero. Eu ainda estava surpreso.
– Não sei como está sua agenda, Andréa, mas podemos ir assim que terminarmos aqui. Só espero que ele não tenha exagerado. – eu o encarei. – O projeto ainda está um pouco longe do máximo de sustentabilidade atingível.
– Eu nunca exagero. – afirmou com convicção. Eu não sabia dizer se ele estava fazendo troça ou era tão iludido acerca de si mesmo.



Da confeitaria para o Pôr do Sol, eu precisei telefonar para meu monitor e pedir que revisasse a matéria com as turmas da manhã, pois eu não conseguiria chegar a tempo. Andréa ficou ainda mais admirada pessoalmente com toda a estrutura que o lugar apresentava.
– Escute, Yuri, teremos um congresso sobre conscientização ambiental em Turim e gostaria muito que você palestrasse sobre a instituição. Entendo que esteja em cima da hora para um convite desses, mas seria importante que mostrasse o trabalho que desenvolvem por aqui. Se desejar, pode levar alguém para te auxiliar.



Seria de fato um transtorno fazer uma viagem destas sem um roteiro de apresentação e sem nenhum planejamento, no entanto eu não poderia dispensar uma oportunidade tão conveniente de divulgar o trabalho do Pôr do Sol e, quem sabe, conquistar empresários interessados em investir recursos em nosso projeto.
– Certo, Andréa. Creio que precisarei mesmo levar alguém comigo. Sozinho não terei tempo hábil para deixar tudo preparado.



A primeira pessoa que me passou pela cabeça foi Reinaldo, é claro. Afinal o Pôr do Sol era um projeto dele também. Porém a resposta que recebi me deixou com o coração partido.
– Pôxa, cara! Minha presença é realmente imprescindível? Sabe o que é? Faço dez anos de casado justamente nesta semana, e já tinha planejado uma noite super especial. É claro que a Mel entenderia se eu conversasse com ela, mas...
– Não esquenta, Rey! Tá tranquilo, acho que tem alguém que pode me ajudar...



Oferecendo-lhe uma carona até o Pôr do Sol, aproveitei para, no caminho, participar a Léo os acontecimentos daquele conturbado dia, assim como a pessoa que pretendia levar comigo nessa missão.
– Uau! Que bacana! Pôxa Yuri, estou tão orgulhosa! Tenho certeza que você e Rey farão uma grande apresentação.
– O Rey não vai poder ir e... pensei em convidar a Lis. Ela já está conosco há muito tempo e conhece aquilo tão bem quanto eu ou ele. Você se incomodaria, se eu a chamasse para me ajudar?



Léo levou alguns segundos remoendo aquela pergunta em silêncio.
– Eu sou ciumenta, você sabe, não é? Sou bem diferente de você!
Eu ri. – Sei.
– Então fique avisado que farei picadinho de vocês, se eu descobrir que resolveram ter um revival, estamos entendidos? – levantou a sobrancelha.
– Sim, senhora! Mas você deveria saber que não corro esse risco.



– Onde vai ser esse congresso? Quero o endereço completo de onde vai ficar, ou você nem entra no avião... E por falar em avião... Assentos em fileiras diferentes, faça o favor! Nada de dormir com a cabeça no ombro do outro “sem querer”. – ela parecia estar realmente falando sério, mas isso não tornava a cena menos engraçada.
– É em Turim. – respondi ainda rindo.



– Ah! – Léo soltou, murchando no banco do carona ao meu lado. Só então me dei conta que era a cidade do time do Juventus e, por consequência, atual endereço de Pedro. – Bom... Talvez agora eu tenha um bom motivo para não querer ir.
– Faria um favor pra mim? – emendei rapidamente e ela assentiu com um meneio. – Ariel estaria comigo neste fim de semana. Você ficaria com ela lá em casa? Tenho certeza que Sônia não se importaria em trocar, mas sei que a baixinha espera ansiosa pelos fins de semana com a gente e...



– É claro que eu fico! – ela não me permitiu continuar a explicação. – Vamos nos divertir muito, nem vamos dar pela sua falta!
– Que ótimo! – concordei com falsa irritação. No fundo eu desejava que Léo compreendesse que meu pedido era prova de minha confiança plena em sua capacidade, deixando meu bem mais precioso sob sua responsabilidade. – Assim eu também não vou precisar me lembrar de trazer presentes pra ninguém!
– Ei! Isso não vale! – e eu quase pude ouvir Ariel bradando em uníssono aquela exclamação.



Ambas me acompanharam ao aeroporto, no dia do embarque, e a despedida foi alegre e descontraída. Lis também estava acompanhada de seu atual namorado, deixando Leandra um pouco mais aliviada. Eu até confesso que acho charmoso esse ciúme sem fundamento, que chega a ser pueril.



– Não se arrume demais, ou ninguém vai prestar atenção no que estará dizendo. – aconselhou-me. Aquilo só podia ser uma piada.
– Você é muito boba!
– E você é sem noção! – rebateu. – Acredite, eu sei o que estou falando, já fui sua aluna!



Ela me deu um beijo longo, apaixonado, que me tirou o fôlego e me fez desejar não ir.
– E isso, é pra você não esquecer do que está deixando aqui...
– Eu sei muito bem... Mas adoro esse seu jeito de me fazer lembrar.



sexta-feira, 6 de julho de 2012

XXI – Programa Família (parte II)



À exceção das gracinhas de Trevor, o almoço transcorreu de forma tranquila. Melissa sempre muito sensata desviava o assunto para si quando isso acontecia. Por duas vezes eu chutei a canela dele, e tenho certeza de que Reynaldo, do outro lado da mesa, sentiu vontade de fazer o mesmo. Não que adiantasse muita coisa, Trevor é do tipo que perde o amigo, mas não perde a piada.



Após o café, Deco sentou ao piano e executou alguns clássicos. O menino tinha talento para música e seus pais o estimulavam desde quando, ainda bebê, surpreendeu-os ao reproduzir no seu pequeno xilofone, uma cantiga infantil que escutou em um programa infantil na TV. Léo ficou um tanto impressionada, e Ariel – para não perder o hábito – teve um leve acesso de ciúmes, por perder as atenções naquele momento.



Assim, a baixinha acabou dando um jeito de terminar com a exibição pedindo para que André jogasse vídeo game com ela. Ele atendeu mais que prontamente, e o restante de nós passou a conversar acomodado na sala de estar.
– Vocês assistiram a partida do Juventus pelo campeonato italiano? – A pergunta de Trevor tinha propósito provocador. Todos ali sabiam que aquele era o time cuja camisa Pedro defendia agora. – Atropelou a Inter de Milão! Teve até gol de zagueiro... De cabeça!
O desconforto foi geral, ainda que Léo respondesse sem se abalar.
– Não vi. Eu não curto futebol.



– Sério?! Eu podia jurar...
– Ah, eu também não curto! – emendou imediatamente Melissa, interrompendo aquele disparate e pondo-se de pé. – E se vocês forem iniciar esse papo eu não faço questão de participar.
– Ah, vai, Melzinha! Não seja uma anfitriã mal educada... – rebateu o embusteiro. – Puxe um assunto, minha flor!
– Melhor! – ela concluiu. – É um lindo fim de tarde, penso que um passeio a pé pela orla cairia muito bem. O que acha, Léo?



“Excelente!”, foi a resposta de Leandra e ambas caminharam porta a fora. Assim que tive certeza que não mais nos ouviriam repreendi firmemente meu amigo.
– Eu não vou mais tolerar esse seu comportamento com a Léo, Trev! Como não é meu desejo cortar relações com você, é melhor nunca mais repetir uma cena como a que acabou de protagonizar.
Trevor não encontrou apoio em Reinaldo para replicar, então se mostrou visivelmente contrariado.



Como não houve mais clima para nenhuma conversa, restou-nos apenas esperar a volta de Léo e Melissa para nos despedirmos. No caminho, Ariel queixou-se de Deco ser “um exibido” – usando suas palavras –, entretanto se mostrou satisfeita por ter ganhado todas as partidas de vídeo game que disputou com ele.
– Notei que ele gosta muito de você! – disse Léo, deixando a baixinha muda e com as bochechas coradas.



Levamos Ariel para a casa de sua mãe. Acreditando evitar constrangimentos, Leandra preferiu me aguardar no carro, enquanto eu comunicava a Sônia, o que nossa filha não conseguiria guardar para si.
– Então não era tudo mentira nos jornais afinal... – sorriu.
– Não... nem tudo...
– Desejo que sejam muito felizes, Yuri. De verdade.
– Eu acredito em você. – retribuí o sorriso, junto com um beijo em seu rosto.



Após um delicioso e relaxante banho a dois, enquanto nos arrumávamos para dormir, perguntei a Léo sobre seu passeio na companhia de Melissa.
– Ela foi muito simpática e atenciosa. – respirou fundo, parecendo escolher as palavras antes de continuar. – Eu indaguei sobre a Nina, não fique chateado comigo nem com ela por isso, mas... Eu me sinto horrível quando me lembro dela. E acredite, eu procuro não pensar nisso. Me vem à mente a última vez que encontrei vocês, você me dizendo que desejava amá-la e do presente em cima da sua mala de viagem naquele dia...
– Você podia ter perguntado para mim...



– Eu senti vergonha, me desculpe. E medo talvez... Meu sentimento de culpa vai somente até o desejo de saber que ela está bem, mas não acho que quero saber o que ainda sente por ela.
– Se você não quer, eu não digo. – estava admirado dos questionamentos de Léo. Não que me arrependesse de coisa alguma, mas não podia dizer que o que eu sentia por Nina havia simplesmente evaporado. Ajudava o fato de ela estar distante, e de não fazer questão alguma em manter contato comigo, no entanto, não havia com ser indiferente a sua existência.



– Melissa é formidável! – retomou rapidamente o assunto anterior. – É uma mãe zelosa e dedicada, apesar de passar tantas horas do dia na rua por conta do trabalho! Eu fiquei impressionada! Como ela consegue dar conta de tudo? A casa é um primor de arrumação, considerando que há um garoto de oito anos vivendo ali, e tenho certeza que não é ao Reinaldo que ela negligencia, seu amigo olhava pra ela tão encantado quando o filho encarando a Ariel. Pobre, Deco! Perdidamente apaixonado em tão tenra idade...
– Pobre Yuri... Perdidamente apaixonado e já muito grandinho pra passar esse vexame! – complementei, arrumando meu travesseiro. – Essas mulheres não têm piedade! Totalmente posseiras do nosso coração.



Léo saltou por cima de mim.
– Você ainda não viu nada! – foi sua resposta antes de se inclinar sobre mim para me beijar.
De uma maneira totalmente intuitiva e inexplicável, eu agia como Léo desejava, e a recíproca era verdadeira. Apesar de nunca considerar a libido como elemento principal de nossa relação, a conexão que possuímos elevava nosso prazer a um nível extraordinário.



A noite havia sido magnífica, o que sempre me fazia acordar ansioso demais no dia seguinte. Eu desejava que aquilo se tornasse a nossa rotina, dormir e acordar juntos para sempre. Léo pareceu perceber minha angústia, e perguntou se eu estava bem assim que sentamos à mesa do café da manhã.
– Estou, eu... Eu estou bem. – controlei-me. Desejava pedi-la em casamento antes mesmo de terminarmos o desjejum, mas sentia novamente não ser o momento certo, e tentava não botar os pés pelas mãos. – Você vem jantar comigo hoje?



– Eu preciso estudar...
– Tudo bem.
– Eu poderia trazer meus livros e estudar aqui, mas como posso me concentrar em qualquer coisa quando estou ao seu lado? – sorriu com simpatia.
– Tudo bem. – repeti e retribuí seu sorriso, ainda que com uma dose de frustração.



Por conta de aulas, provas e outros compromissos desencontrados, era normal que a maior parte da semana só conseguíssemos nos ver no Pôr do Sol. Muitas vezes ela estava em seu próprio carro, e eu deixava o meu para trás pelo simples prazer de ganhar sua carona.



Ainda bem que havia os finais de semana. Salvo raras exceções, Léo passava o fim de semana em minha casa. Ela organizava sua rotina de estudos de modo a ter pelo menos esse tempo para a gente. Quando estamos sós costumamos nos presentear com uma noite romântica. Como um bom filme no home theater, sushi, e alguns momentos de intimidade na piscina.



Dois meses começaram e terminaram desde que estamos juntos. Teve início uma nova estação e Léo e eu estávamos cada vez mais apaixonados, considerando que isso fosse possível. Jamais tive tanta certeza de que ela era a mulher da minha vida, independente do que o destino estivesse traçando para mim.



Era uma fria manhã de outono quando atendi uma ligação improvável de Trevor. Tanto pela hora do dia quanto pelo motivo.
– Bichona! Preciso falar urgente com você!
– Para você ter acordado tão cedo, eu nem ouso duvidar.
– Eu ainda nem dormi! Estive err... ocupado, se me entende, e o assunto é sério, se você quer saber!
– Estou ansioso... – ironizei
– Não vou falar por telefone, além do mais, preciso te apresentar a alguém, portanto apronte-se e me encontre em uma hora.