sexta-feira, 25 de maio de 2012

XIX – Efeitos (parte I)


Pedro me encarou e veio em minha direção quase espumando de ódio.
– Você é um filho da puta! – esbravejou. – Você é um filho da puta desgraçado! E eu só não arrebento essa sua cara porque eu já tô dando trabalho demais pro seu pai, seu hipócrita infeliz!
– Quer saber, Pedro? Eu estou me lixando! Pra você, pro meu pai... Quer quebrar minha cara? Vai em frente! Não vai apagar o que aconteceu...




– Eu achava que você era um cara melhor...
– É mesmo? – ironizei. – Eu achava que você também era! 
– Você se aproveitou de uma situação!
– Uma situação que VOCÊ criou, Pedro! – frisei. Não que a interpretação dele estivesse correta, mas eu não estava nem a fim de me explicar. 




– Você repeliu a Léo! – continuei. – Duas vezes! Da segunda eu mesmo ouvi! Ela queria ficar do seu lado e você a mandou embora! 
– Eu devia presumir que você estava lá, né?! Só esperando uma oportunidade! – urrou.
– E que diferença minha presença deveria fazer? Você já sabia que ia ser solto! Você já tinha falado com o doutor Ernesto quando a Léo tentou voltar e sabia que o Habeas Corpus era uma questão de tempo, não sabia?




Seus ombros descaíram e ele mudou o tom de voz.
– Sabia...
– Então porque não disse a ela?! – eu também baixei o meu. – Porque não falou?! Ela teria preferido ir pra casa te esperar... Mesmo vendo que você recebeu sua amiga tão melhor...
– Você é um babaca, Yuri! Não fale sobre o que você não sabe!




– Está certo. Você tem razão. Eu sou um babaca e não sei de porra nenhuma! Mas tem uma coisa que eu sei... Eu sei que a mulher que eu amo, só pegou aquele táxi e partiu porque ela ama outro idiota! Porra, Pedro! Tudo que ela queria era uma oportunidade de te mostrar a incrível mulher que ela é, e você a expulsou do seu lado!
– Eu só queria... que ela ficasse protegida...
– Devia ter perguntado se era proteção que ela desejava... – eu arfei, impaciente.




– Olha... Eu queria muito ter essa DR com você – recorri ao sarcasmo outra vez –, mas tenho um monte de outras coisas pra resolver. Se já terminou de me insultar, eu vou entrar e cuidar da minha vida. E se você está só um pouco arrependido do que disse a ela naquela cela, aconselho que vá atrás do carro amarelo, rápido. 
– E porque eu seguiria um conselho seu?
– Porque se a Léo decidir voltar pra mim, Pedro... farei de tudo para que seja definitivo.




Larguei Pedro com seus pensamentos na escadaria e voltei para dentro de casa, tentando esquecer momentaneamente os últimos acontecimentos. Precisava me concentrar em outra coisa agora, pois não havia mentido quando lhe disse que eu tinha mais o que fazer. Especialmente um pedido de desculpa, embora não houvesse perdão para o que eu tinha feito.




Peguei o telefone e disquei o número de Nina. Caixa postal. Mais duas tentativas. Nada. Eu não quis deixar mensagem, não achei que seria certo, mesmo que não houvesse nenhuma maneira que pudesse ser assim considerada. 
Passei o resto daquela noite e parte da manhã seguinte na tentativa de fazê-la me atender. Seria muito ingênuo de minha parte imaginar que ela ainda não havia tomado conhecimento das minhas chamadas perdidas.




Apertei o redial e prometi a mim mesmo ser a última vez, eu não podia obrigá-la a falar comigo. Porém, para minha surpresa, a ligação foi finalmente completada.
– Caramba, mas você é insistente! – não era a voz de Nina. Não era nem voz de mulher. – Diga logo o que quer porque nem eu aguento mais o barulho deste aparelho!
– Eu quero falar com a Nina! – isso não devia ser óbvio, já que aquele era o número dela?




– Ela não pode atender... Mas fala aí que eu dou o recado. – respondeu rudemente.
– Eu não vou falar com você... Nem sei quem é você...
– Eu me chamo Ian e você é o... peraí deixa eu ver... Yuri, segundo o display está mostrando na tela retina. Pronto, estamos apresentados, agora você já pode falar comigo.
– Escute, amigo... Eu só quero falar com a Nina, pode chamá-la, por favor?
– Tá vendo? Você já está até me chamando de amigo, qual o problema de me di...




A voz do homem foi interrompida por outra, impaciente, porém conhecida.
– Ai, chega, Ian! Me dá esse telefone! – uma pausa se fez e então ela disse, irritada. – Alô!
– Nina... – eu não havia ensaiado uma fala e tentava escolher a melhor forma de me expressar, consciente de que ela não existia.
– Eu não vou te dizer o que passei naquele aeroporto quando você não desembarcou, Yuri, porque eu já senti pena demais de mim mesma. Se você está me ligando para que eu me sinta ainda pior, eu te peço encarecidamente... Tente me poupar.




O que eu podia dizer? Contar a verdade, e deixá-la ainda mais magoada? Inventar uma mentira e me tornar hediondo?
– Eu... Eu lamento muito, Nina... Lamento mesmo...
– É, eu também... Mas ainda estou chateada demais para meias palavras em telefonemas constrangedores... Sabe... Quando não é a hora, não adianta forçar uma barra... Eu admito a minha parcela de culpa nisso tudo... Então, você pode dormir tranquilo...




Obviamente eu não poderia. Seria merecedor de qualquer xingamento e, no entanto, Nina foi complacente. Ligar para ela não me trouxe nenhum alívio. Nada nunca iria me redimir. Os jornais já estampavam as fotos de um homem com a cara cheia de hematomas e outro atrás das grades, mas não tive vontade de ler. Também não havia o que fazer em relação a Léo que não fosse aguardar. A minha ansiedade era tanta que precisei recorrer a um comprimido, ou acabaria dando cabeçadas nas paredes.




Nicole só chegou a Enseada no dia seguinte. Apareceu em minha casa sozinha e sem aviso prévio.
– Eu não posso acreditar, Yuri! O que deu em você?!
A bronca era pelo meu comportamento estranhamente atípico, após eu contar-lhe detalhadamente a minha versão da história. Nick já havia ouvido a de Léo, eu estava quase desistindo de meus princípios de vez, só para perguntar o que ela havia lhe dito. Na íntegra. Desnecessário, uma vez que minha prima, em nome da sua amizade, jamais me revelaria o conteúdo dessa conversa.




– Eu deixo de seguir as regras uma vez na vida, e mereço todo esse seu sermão!
– Merece mesmo! No que estava pensando?!
– Em mim? Nela?
– Ah, Yuri! Por que logo agora? Porque logo quando acontece esse incidente? Porque justo quando você começou a se interessar de verdade por alguém? 
– Eu não escolhi o momento... Falando desse jeito... até parece que eu planejei alguma coisa... Não foi isso. Simplesmente não consegui oprimir mais o que estava dentro de mim. Mas não quero pensar que fiz errado, Nick. E não vou! Então não adianta você ficar aí esperneando...




– Ô, meu primo mais lindo... – consolou-me com um abraço. – Desculpe. Eu só estou dando uma de Nicole! É o que eu sei fazer... Mas não é minha culpa que eu ame vocês demais e me preocupe tanto! A Léo voltou pra casa do pai, por enquanto... e o Pedro está irreconhecível. Eu compreendo o momento dramático, mas ele mal permite uma aproximação que não seja do Zeca ou daquela Penélope... Até entendo que não queira se abrir comigo, mas nem falar com o Neto?




– O Pedro esteve aqui. – desviei meu olhar, tentando não encará-la. – Ele surgiu do nada, me interpelando assim que coloquei a Léo num táxi, não sei há quanto tempo estava lá fora esperando. Eu o aconselhei a ir atrás dela.
– Você é inacreditável!
– Não, eu sou realista. – suspirei. – A Léo ama o Pedro. Está magoada, magoada demais, mas ama o Pedro e tá aí uma coisa que eu acho que não vai mudar. Só que as palavras às vezes podem ferir mais que uma surra, Nick, você sabe disso. E por mais que eu entenda a situação crítica em que ele se encontra, é preciso considerar o estado emocional de quem as escuta também.




Fiz uma pausa, para respirar.
– Léo está a cinco anos tentando provar que não é mais a patricinha mimada e dependente que um dia já foi. Que agora é uma mulher forte, determinada, e capaz de segurar a barra junto com ele... de defendê-lo, até! E o que é que ele faz? Não só a expulsa, como se diz “arrependido”. Não foi uma coisa legal de se ouvir... não foi, acredite, eu fiquei com muita raiva. Pedro será mesmo um boçal se continuar mantendo essa postura e não abrir os olhos pra mulher extraordinária que ele tem. E justamente por achá-la tão extraordinária, não me envergonho nada de confessar que esperaria por ela o tempo que fosse necessário.





sexta-feira, 18 de maio de 2012

XVIII – O Momento Errado


– Não quero ir pra minha casa. – Léo soltou depois de poucos minutos de silêncio em alguns quilômetros percorridos. – Se importa de me deixar em outro lugar qualquer? Quero dar uma volta...
– Não me custaria, Léo, nem um pouco... Mas não gosto da ideia de te deixar sozinha agora.
– Eu não sou um bebê... Nem sou retardada. Então qual é o problema? – perguntou insolente. 
– Nenhum... – respondi igualmente irritado. – Não desconte em mim, está bem? Você tem razão... Diga aonde e eu deixo você...


Nunca. Nunca, em todo o tempo que a conheço, eu havia me reportado a ela de forma tão grosseira. Se eu estava aborrecido, porque havia decidido ficar? Eu não tinha o direito de ser rude. Não foi escolha dela.
– Desculpe. – falamos juntos. Ela parecia também ter refletido e se arrependido.
– Vamos fazer assim... – sugeri. – Eu levo você até a minha casa, faço um chocolate quente, você descansa um pouco e depois eu te levo de volta pra casa, pode ser?


Eu só havia me esquecido de um detalhe. Acreditando que resolveria o que me propus a tempo de pegar o voo, deixei minha bagagem na porta de casa quando saí aos tropeços atrás do doutor Ernesto. E minha mala foi a segunda coisa que Leandra viu. A primeira foi uma caixa embrulhada em papel de presente, acomodada bem em cima dela. Um mimo para uma pessoa especial.


Não foi preciso explicar nada, a cena falava por si.
– Ah não! Meu Deus! Você... Você estava de partida! – Léo exclamou. – Droga, eu não acredito que deixou de viajar por minha causa! Não acredito! Que tipo de pessoa eu sou?!
Ela não parava de falar e gesticular enquanto eu tentava em vão explicar que não havia sido sua culpa. Nem por Nicole ter me mobilizado, tampouco por eu ter optado em ficar ao seu lado.


A verdade nua a crua é que eu deveria ter previsto que não conseguiria partir e deixar Léo naquela delegacia tão fragilizada com toda a situação. Eu poderia ter passado toda a informação ao meu pai e corrido para o aeroporto, tentar pegar o avião que, a esta altura, deveria estar sobrevoando o oceano. Entretanto, senti a necessidade não só de vê-la, mas de ter certeza que ela ficaria bem. E, mais do que isso, desejava estar com ela, e dizer-lhe que eu reconhecia a mulher espetacular que ela era. Então, “Que tipo de pessoa eu sou?” era uma pergunta que se encaixava mais para mim do que para ela.


Abracei Leandra na intenção de amenizar aquele tormento, mas não disse nada temendo escolher as palavras erradas ou ser mal interpretado. Nós nos conhecíamos a muito tempo, e sabíamos decifrar os sinais um do outro. No entanto, fui surpreendido por mim mesmo quando, ali, me dei conta do quanto ainda amava a mulher nos meus braços. E cheguei a duvidar que um dia esse amor pudesse se extinguir.


Aquilo estava errado, muito errado. As emoções estavam à flor da pele por conta dos acontecimentos, e eu tinha plena consciência disso. Ao mesmo tempo me faltavam forças para lutar contra meus sentimentos àquela altura do campeonato. O sangue corria com tanta violência em minhas veias que eu podia jurar que empurravam meu coração garganta acima, e por alguns segundos eu prendi a respiração temendo vomitá-lo. Léo levantou a cabeça e quando seus olhos encontraram os meus eu tive certeza que não poderia resistir a absolutamente mais nada.


Inclinei meu rosto em sua direção e roubei-lhe um beijo. Não igual ao que ela um dia já havia me roubado. Não. Eu a beijei com o arroubo de cinco anos reprimidos dentro do meu âmago. Em uma reação espontânea, Leandra relutou debilmente, e de forma gradativa foi cedendo lugar aos seus anseios. A respiração arfante denunciando a avidez de seu desejo.


Eu a carreguei para o meu quarto sem desgrudar meus lábios do dela. Não possuía nem a autoridade de afirmar se eu estava de fato acordado, considerando o número de vezes que sonhei com este momento. Também não me importei. Ela havia tirado sua blusa e minhas mãos passearam por toda extensão da pele notavelmente macia de suas costas. Ela envergou o corpo com o arrepio e eu fui arrebatado pelo reflexo de seu deleite.


Livrei-me do colete e da camisa que pareciam sufocar minha alma, levei-a até minha cama e tirei-lhe as peças de roupa que ainda a cobriam. Só então minha boca deixou a dela para percorrer suas curvas na intenção de conhecer cada detalhe. Saboreei seu gosto como um enólogo apreciaria a última garrafa de Cheval Blanc 1947.


Quando nossos corpos se uniram por completo, fui recompensado com uma sensação infinitamente superior a qualquer expectativa que minha mente poderia ter criado desde que ela havia entrado em minha vida. A libido voraz de Leandra estimulava ainda mais a minha e atingimos uma zona de prazer que só teve fim quando nossos músculos não eram mais capazes de responder a nenhum comando.


Eu consigo me lembrar que nossos lábios ainda se tocavam quando ela desmaiou de exaustão em meus braços. Não fazia ideia de que horas eram e embora eu devesse, não estava preocupado com isso. Estava exatamente onde desejei nos últimos anos, também tinha ciência que pagaria um preço por isso, só não mensurava que parte caberia à Leandra. Eu queria muito protegê-la, no entanto ela precisaria me dizer como. E sabia ser muito improvável que ela me permitisse fazê-lo.


Apesar do esgotamento físico, não consegui dormir e acabei me convencendo que o melhor seria preparar alguma coisa para que Léo pudesse comer ao acordar. Ao passar pelo corredor notei o alerta da secretária eletrônica indicando que havia mensagens. Apertei a tecla play para ouvir os berros do meu pai: “Aonde foi que você se meteu com a garota? Eu sei que ela está com você, por favor, não me envergonhe! Só para você saber, embora não mereça minha consideração, o Habeas Corpus não demorou a sair e o rapaz está livre por enquanto. Mande a mulher dele pra casa, Yuri! Não precisamos de um escândalo maior...”.


Desci e comecei a improvisar um lanche. Quando estava terminando, Léo surgiu na cozinha vestindo meu roupão. 
– Hum... Tá cheiroso, o que é? – quis saber. Era impressionante que eu a achasse ainda mais atraente naqueles trajes?
– Torradas doces... Sente-se aí, já vou servir.


Enquanto ela comia, iniciei o assunto do qual eu não poderia fugir, embora fosse a minha mais absoluta vontade.
– O Pedro já foi liberado, Léo. Meu pai deixou um recado na secretária...
Ela ficou em silêncio. Eu podia intuir que uma enxurrada de pensamentos lhe passava pela cabeça e ela não estava certa se devia compartilhá-los comigo. Respirou fundo e respondeu, tentando parecer indiferente: – Isso é bom...


Eu não queria deixá-la partir, e tinha uma infinidade de perguntas para fazer, começando por “E a gente? Como fica?”, mas seria até crueldade pressioná-la agora.
– O que posso fazer por você, Léo? – foi o que consegui verbalizar.
Ela abriu um sorriso com o canto da boca e me encarou.
– Você já fez...
– Eu estou falando sério... Eu quero ficar com você, e acho que isso é bem óbvio, mas... eu sei que foi o momento mais errado.


Léo levantou deixando mais da metade da torrada em seu prato, eu a segui com o olhar enquanto ela contornou minha cadeira e me abraçou pelas costas.
– Nunca existiria um momento certo, Yuri. – Léo suspirou e me deu um beijinho carinhoso. – Posso tomar um banho? Eu preciso ir...
– Claro... Use o meu banheiro. Quer que eu a leve em casa?
– Acho melhor eu pegar um taxi... Você chama um pra mim?


Assenti e ela me beijou novamente. Dessa vez menos breve e eu temi que fosse um beijo de adeus. Léo estava sendo evasiva, e eu até entendia seus motivos. As coisas aconteceram de forma atropelada, e não havia como tomar decisões no borbulhar dos acontecimentos. O tempo me diria. E mais uma vez eu me entregaria a uma torturante espera. Estava claro que Leandra valia qualquer sacrifício, e fui capaz de entender algumas atitudes de Pedro.


Eu a acompanhei até o táxi quando ele chegou, e a beijei antes de deixá-la ir. “Por favor, não desapareça...”, tentei transmitir telepaticamente.
– Eu te dou notícias, está bem? – e quase acreditei que havia conseguido quando ela falou.
– Está bem. Eu aguardo...


Léo entrou no automóvel e partiu. Eu comecei a subir as escadas de volta para entrada, mas um movimento na rua me fez parar e quando voltei meu olhar, vi o Hummer de Pedro quase derrubando minha caixa de correio. Ele desceu enfurecido, como não poderia deixar de ser, e bateu tão forte a porta, que não saberia explicar de que forma os vidros das janelas não estouraram.





sexta-feira, 11 de maio de 2012

XVII – A Mudança dos Ventos

Ainda faltavam algumas horas para o meu embarque e minha mala estava pronta. Ariel se mostrava mais excitada que eu com aquela movimentação.
– Tire muitas fotos! Muuuuuuuuuuuuuuitas! E não espera voltar, quero ver tudo pelo Facebook! E eu quero presente de Florença e muitos postais, papai! Ah, e não esquece de perguntar pra Nina quando ela vem! Estou com saudades!
– Pode deixar baixinha... – respondi rindo de sua agitação.




O telefone tocou e Ariel correu para atender. Eu a ouvi cumprimentar a prima cheia de euforia ao telefone, depois houve um momento de silêncio e então sua expressão se tornou indecifrável ao me entregar o aparelho.
– Pra você...




Atendi enquanto a baixinha se sentava na cama, atenta.
– Oi, Nicole... Tudo bem? – perguntei já desconfiado.
– Pra falar a verdade, não muito, e, de antemão, já quero me desculpar pelo que vou te pedir, Yuri, me perdoa... mas eu preciso da sua ajuda.
– Fale logo o que aconteceu, Nicole! Está me deixando preocupado!




– Eu e Neto iremos pra aí assim que possível, mas preciso que você fale urgentemente com o tio Ernesto... É muito importante que ele chegue na décima quarta antes mesmo do primeiro noticiário de hoje, Yuri... – Nick fez uma pausa e eu quase berrei para ela continuar – o Pedro foi preso...




Pedir qualquer favor que fosse para o meu pai, era algo inconcebível para mim. Não deixei minha mãe interceder nem mesmo quando eu e Sônia enfrentamos sérias dificuldades financeiras no início do casamento. Solicitar seus serviços de advogado em uma área que sequer era sua, parecia a tarefa mais ingrata que poderia haver. A não ser que este estivesse ligado a alguma escandalosa e milionária fraude, Doutor Ernesto não lidava com Direito Penal. Sua maior qualidade sempre foi ganhar dinheiro, portanto o escritório dos Tedesco era especializado em Direito Empresarial. 




Não era o caso de Pedro. Porém, contrariando minhas expectativas, Doutor Ernesto não pestanejou ao saber de quem se tratava. E desta vez nem sei mesmo se pelo dinheiro, ou se pela repercussão que o caso teria, ou apenas pelo ineditismo daquela situação. Eu também não perguntei, e nem me interessava, eu só queria que tudo aquilo se resolvesse, o mais rápido e menos doloroso possível. 




Léo estava sozinha na antessala quando chegamos.
– Ele não quer me ver... – disse com tristeza ao me encarar. – Pediu que eu fosse embora, nem sabe que eu ainda estou aqui. Papai e Dora estão com ele agora.
– Eu vou até lá. – disse Doutor Ernesto com propriedade. – Nós vamos resolver isso num piscar de olhos, filhinha. Não se preocupe.




Eu a ajudei a sentar-se no sofá e me acomodei ao seu lado. Não fiz nenhuma pergunta, mas deixei que ela desabafasse quando sentiu vontade.
– Eu não entendo porque ele está fazendo isso comigo. Só quero ficar ao lado dele nesse momento ruim... Eu sei que ele não... Quer dizer, eu estava lá, eu vi! O homem agrediu a Dora! Ele perdeu a cabeça... Quem não perderia vendo um cara dar um tapa na sua mãe?!




Léo inspirou profundamente em meio a soluços.
– O pai dele sumiu por mais de vinte anos, Yuri... Com que direito ele reaparece do nada, fazendo chantagem e acusando a Dora de bigamia? Ele queria dinheiro, só dinheiro, meu Deus, ele nem olhou pra cara do filho! E quando Pedro estava em cima dele no chão, tudo que disse é que ia ganhar mais grana ainda com aquela agressão. O desgraçado nem reagiu, e está agora lá no IML fazendo exame de corpo delito. E daqui a pouco esta delegacia estará repleta de jornalistas apontando o dedo na cara do meu irmão!




Ela se calou por um tempo. Eu sentia seus suspiros vez ou outra em meu peito.
– Me desculpe...
– Pelo quê?
– Não era pra envolver você nisso, eu só contei pra Nicole porque ela é minha melhor amiga... Se eu soubesse que ela ia te ligar...
– Não pense nisso. Nicole fez o que achou que devia... Está tudo bem.




Léo ensaiou um meio sorriso.
– Você sempre esteve por perto quando eu mais precisei... 
Eu nunca tinha me dado conta deste fato até aquele momento. Isso havia sido no passado, e eu não deveria estar ali agora. Eu deveria estar voando para a Itália e ainda não tinha sequer conseguido avisar a Nina que eu não estava naquele avião. Mas quando a vi tão vulnerável, tive certeza que queria ficar.
– É pra isso que servem os amigos não é?




O tempo passou, e nenhum deles – Dora, doutro Olívio ou meu pai – retornou. Presumi que meu pai ainda estaria conversando com Pedro, e Dora e Olívio provavelmente prestando depoimento.
– Eu queria tentar falar com ele de novo. Você iria comigo?
– Não acho que ir com você seja uma boa ideia, Léo...
– É... – ponderou. – Talvez você tenha razão...




Ela se levantou e tentou caminhar até a porta, mas suas pernas tremiam tanto que desistiu antes de alcançá-la. Fui ao seu encontro e a amparei.
– Vamos fazer assim... eu levo você até lá, mas prefiro que ele não me veja, tudo bem?
Ela assentiu com um gesto e eu a conduzi até o corredor das celas.




Além dos policiais, não parecia haver mais ninguém ali. Ela me fitou antes de prosseguir, entretanto assim que Pedro notou sua presença, ouvi sua voz forte, alta e carregada de rancor.
– Eu falei pra você ir embora, Léo! Que diabos ainda está fazendo aqui?!
– Eu só quero ficar com você...
– Mas eu não quero! Isso não é lugar pra você!
– Eu sou sua mulher, Pedro. Meu lugar é do seu lado!




– Olha pra mim, Léo... Eu sou um marginal! Deformei o rosto de um cara, não um cara qualquer, é claro que não... Só o responsável pela minha existência! Quebrei o nariz e pelo menos três de seus dentes! Provavelmente devo tê-lo deixado cego de um olho e só não o matei porque – sabe-se lá como –, seu pai conseguiu me segurar! Eu não sou homem para você.
– Cala a boca, Pedro!
– No fundo eu sempre soube que você não era pro meu bico, Léo. Devia ter ficado quieto na minha como sempre fiquei desde que te conheci, te amando de um lugar seguro e em silêncio.




– Está falando um monte de bobagens! Vai acabar se arrependendo depois.
– Você não está entendendo. Eu já estou arrependido! Vai embora, Léo.
– Pedro...
– VAI EMBORA! – ele a cortou, urrando. – Você é surda?
Eu estava totalmente desencaixado, não era para eu ouvir aquela discussão. Para começo de conversa não era nem para eu estar no país naquele momento. E o pior, me sentindo um completo inútil por não poder sair do meu canto e sacudir o Pedro até fazê-lo engolir aquelas palavras, que no final de tudo, nós sabíamos serem falsas. Mesmo assim ele não tinha o direito de dizê-las. Não para Léo.




Abatida, ela deu as costas à grade que os separava, e retornou. Seus olhos nada expressavam e miravam o chão. No mesmo instante, a porta do corredor se abriu para Zeca e sua irmã Penélope entrarem. A garota correu em direção ao cárcere do amigo sem nem reparar que havia mais gente ali. 
– Oi, Léo... – cumprimentou Zeca, quando Leandra passou por ele, vindo de encontro a mim. Apática, ela não respondeu.




Sinalizei para que ele soubesse estar tudo sob controle, na medida do possível. Penélope tentava sem êxito abraçar Pedro por entre as barras de ferro enquanto o enchia de perguntas sobre como tudo havia acontecido. Mesmo naquele estado letárgico, não passou despercebido por Léo que Pedro não se incomodou com a presença da amiga ali, como havia se incomodado com a dela.
– Vamos – disse-lhe em voz baixa – , eu levo você até em casa...