sexta-feira, 27 de abril de 2012

XV – O Susto

Mantive minha postura e não liguei para a Léo. Porém, conversei com a Ariel e disse a ela que telefonasse, sem cobranças, apenas dizendo estar com saudades e a convidasse para um passeio. Ariel perguntou se eu estaria incluído no programa e eu respondi que não. Estranhamente a baixinha não me questionou nem insistiu. Como era de meu interesse, eu também não alimentei sua curiosidade.





A minha confissão não me afastou fisicamente de Nina, mas fatalmente estremeceu nossa relação. Antes tão entregue a qualquer emoção agora ela se portava mais reservada. Eu me odiava por tê-la magoado, e tentava a todo custo reverter aquele quadro, dando tudo que meu coração fosse capaz de ofertar. Generosa, ela reconhecia o meu esforço da maneira que conseguia, e eu já podia ser grato por isso.




– Linda... – Pensei alto demais enquanto a observava fotografar as flores de um arbusto na estufa do horto florestal. 
Nina é amante de fotografia e plantas. Jardins, chácaras e parques eram nossos passeios prediletos.
– Oi? – Ela perguntou arqueando a cabeça, distraída.




Rastejei em sua direção.
– Eu disse que você é linda. Absurdamente linda... Mas você já deve estar cansada de saber, então não ligue! Sou apenas um admirador apatetado.
– Não, eu não sei... então você pode dizer de novo, se quiser. 
Fitei seus olhos apenas para ter a comprovação de que ela sabia: e eu não me referia somente à beleza que qualquer ser vivente dotado de visão fosse capaz de testemunhar.




Levantei-a do chão, larguei a câmera na escada onde antes eu estava apoiado e a abracei. 
– Linda, linda, linda.
– Hummm, mais um pouquinho... Eu to quase acreditando em você... – sorriu. O dia ficava mais claro toda vez que ela fazia isso.




Alheio a quem quer que estivesse a nossa volta, eu a beijei. Primeiro com delicadeza, mas então eu senti novamente a reciprocidade que havia se perdido, e a apertei com mais força junto ao meu corpo, buscando avidamente sua língua com a minha. 




Enebriado, abri os olhos vagarosamente mas não pude acreditar no que eles me mostravam atrás da face sorridente de Nina. Léo estava a poucos passos de distância e olhava a cena desconsertada. Mexia os braços e as mãos desordenadamente como se estivesse à procura de alguma coisa que havia sumido.




Percebendo meu olhar fixo naquela direção, Nina se virou, e parada permaneceu, observando Leandra. Descansei a mão em seu ombro, enquanto uma cena piegas de novela passava na minha cabeça.
– V-vocês viram o Lucas? – Léo gaguejou atordoada. – Ele estava agora mesmo segurando a minha mão, mas não consigo achá-lo! Perdi meu irmão!




Além do pânico explícito em sua voz, era possível notar a disritmia de sua respiração, mesmo daquela distância. 
– Como posso ter perdido meu irmão?! – continuou, levando às mãos ao rosto em desespero. – Eu juro ele estava bem ao meu lado, e então...
Nina tomou a iniciativa de se aproximar.
– Fique calma, Léo... Venha comigo, vou pegar uma água com açúcar para você e o Yuri vai procurar o Lucas... certo?




Sem pensar, deixei as duas e fui atrás do garoto. Entretanto, não precisei andar muito. Ele já tinha deixado a estufa e caminhava em direção ao lago, provavelmente atraído pelo movimento das águas do chafariz.
– Lucas! Ei! – chamei.




– Oi, tio Yuri! – exclamou ao se virar.
– Onde você está indo, rapaz?! 
– Eu só vim “vê” a cachoeira! – explicou-se se referindo à fonte de concreto construída no meio do da água. – Cadê a Ariel?




– Ariel está com a mãe dela hoje, Luquinha! – agachei-me para ficar de sua altura. – Escute, você não pode sair por aí sem avisar onde vai! Deu um baita susto na sua irmã, sabia?
– Ela tá muito zangada? – perguntou temendo ganhar uma bronca.
– Não, amigão... Ela só ficou muito preocupada... Vem, vamos até lá, pra deixar ela tranquila? Que tal?




– Lucas! – berrou Léo, vindo em nossa direção quando nos viu entrar de volta na estufa.
Procurei acalmá-la: – Está tudo bem... Ele só foi até o lago...
– É! “Vê” a cachoeira! – repetiu o menino.




Ela o levantou no colo e abraçou com força. 
– Nunca mais faça isso! Nunca mais, está me ouvindo?! 
– Desculpa, mana! Eu “se” esqueci de “avisá”. Não fica brava comigo não...
– Não estou brava... Mas não repita, tá bom?
– Ã-hã! – o garoto concordou com um meneio.




Léo colocou Lucas na cadeira ao lado de Nina, onde pouco antes esteve sentada.
– Essa é Nina, amiga do Yuri, Luquinha, diga oi.
– Oiiiiiê. – cumprimentou obedecendo a irmã.
– Oi, Lucas, prazer em conhecer um rapaz tão bonito.




– Obrigada, Yuri. Obrigada, Nina. – Léo agradeceu constrangida. – E nos desculpem por toda essa confusão...
– Não foi nada... – respondi.
– Bem... eu vou indo... está perto da hora do almoço dele...
– Você está de carro? – Nina perguntou.




– Não... o Pedro me trouxe e vinha me buscar, mas ele teve um contratempo, então eu vou pegar um taxi.
Nina se levantou.
– O Yuri leva você. – ofereceu minha carona sem me consultar previamente, me deixando bem confuso. 
– É, nós levamos... – emendei.




– Imagine! – Léo parecia também não se sentir a vontade com a situação. – Não há necessidade alguma...
– A casa do Trevor é aqui do lado, Yuri, e quero dar uma passadinha no horti-fruti, para comprar uns ingredientes da salada que pretendo preparar. Leve a Léo, e a gente se encontra pra almoçar, tudo bem?




A expressão de Leandra estava tão pasma quanto a minha. Mas não era momento nem local para se discutir.
– Tudo bem... – terminei por concordar, deixando transparecer meu descontentamento. 
Mais cedo ou mais tarde, teria de haver uma ótima explicação para ela me dar.





sexta-feira, 20 de abril de 2012

XIV – O Que Precisava Ser Dito


As aulas na UFEB recomeçaram, assim como o trabalho no Pôr do Sol, tomando horas preciosas do meu dia. O restante do meu tempo procurava estar com Nina e Ariel. A baixinha estava adorando a presença constante de Nina, e talvez até desconfiasse que nosso relacionamento fosse além de uma simples amizade. Mesmo assim, preferimos não assumir nada oficialmente, para evitar frustrações no momento que Nina tivesse de nos deixar.




Em um fim de semana destes, em que estaríamos os três juntos, Ariel chegou à cozinha e avisou logo pela manhã.
– Marquei hora com o Jean Pierre hoje... Preciso estar lá às três.
– Quem? 
– Jean Pierre, papai! O hair stylist! Você vai me levar?
Só então me lembrei. Era o cabeleireiro da Léo. E, por adorar imitá-la em quase tudo, Ariel também o adotou.




– Claro... Eu e Nina podemos dar uma volta enquanto você corta seu cabelo... – Eu não estava disposto a perder minha tarde de sábado dentro de um salão de beleza. – Depois passamos lá pra te buscar.
– Nã-hã... Marquei manicure e hidratação para ela também...
– Ah, que ótimo!




Derrotado por dois a um, após o almoço coloquei as duas no carro e parti para o centro da cidade. Estava terminando de estacionar quando Ariel me chamou com a voz arrastada: 
– Paaaaaai... Eu preciso te dizer uma coisa. – esperei a pausa que ela fez para inspirar. – O horário que marquei com o Jean Pierre não foi pra mim, foi pra você!
– Como é que é?! – perguntei indignado. – Quem disse que você podia fazer isso?! E eu não preciso cortar o cabelo! 




– Quem não precisa sou eu! O seu cabelo tá horrível, todo quebrado! E pára de fazer pirraça na frente da visita! Tá me matando de vergonha! Além do mais eu já agendei massagem de chocolate pra mim no mesmo horário. Quer trocar?
Voltei meu rosto para Nina procurando algum apoio.
– Não olhe pra mim, eu não tenho nada a ver com isso! – justificou-se atrás de um sorriso divertido.




– Ora, ora se não é a Mini Léo?! – exclamou o cabeleireiro assim que entramos. Reconheci Jean Pierre imediatamente, apesar de só tê-lo visto uma vez em minha vida e há muito tempo. – Tudo bem, princesa? O que vai ser desta vez? Vai fazer um chanelzinho ou só aparar as pontinhas?
– Ah, Jean Pierre, hoje eu só vim fazer uma massagem, quem vai cortar é o papai!





– Hummmm... entendi! – Jean Pierre fez uma reverência aproveitando para me examinar minuciosamente. E eu não gostei nem um pouco da expressão em seu rosto quando bateu os olhos em meus cabelos. – Sente-se ali que já já consertaremos esse estrago...




O cabeleireiro fez um aceno e quatro integrantes de sua equipe levaram as garotas para outra sala, enquanto ele se aproximava de mim com uma tesoura.
– Eu juro que não vai doer... – prometeu com cinismo.




Eu já tinha lido o jornal por inteiro – inclusive os classificados –, e nada de Ariel ou Nina voltarem de onde quer que tivessem se enclausurado. Havia perdido meu cabelo, meu sábado, e estava prestes a perder todo o meu humor.
– Yuri? – Ouvi alguém me chamar. – É você?




Baixei o jornal e reconheci um ex-aluno.
– Oi, Tadeu... Tudo bem?
– Tudo! Caramba, Yuri! Quanto tempo!
Assim como Léo, Tadeu foi meu aluno durante seu ciclo básico na faculdade de Medicina da UFEB. Também costumava ser seu melhor amigo. Estava trajando um jaleco e, diferente dela, havia concluído seu curso. Agora estava fazendo residência médica.
– É... Bastante... Como você está?




– Ótimo! Estou trabalhando com Doutor Olívio, a Léo te contou? Pretendo ser um cirurgião tão bom quanto o pai dela! Mas falei pro Jean que estava me especializando em ginecologia, só pra implicar com ele! Se ele perguntar, confirme!
Eu ri. Tadeu sempre foi espirituoso, e há alguns anos já dividia a casa e a cama com Jean Pierre, seu companheiro.
– Pode deixar! – assegurei-lhe.




– Por falar em Léo... Ela e Pedro já estão de volta a Enseada... Agora definitivamente! O apartamento deles está ficando um arraso! Ela é tão boa nisso! Aliás ela é boa em tanta coisa!  – Tadeu falava sem parar, eu mal conseguia assimilar tudo. – Estou tão feliz que ela esteja de volta! Nossa como eu sinto saudades!
– A Léo voltou?! – ouvi a voz de Ariel atrás de Tadeu, surgindo do nada. – Porque ela não me avisou?! – o tom de decepção em sua voz me partiu em pedaços. A culpa era minha.




Tadeu sentiu meu desconforto e improvisou.
– Ah, mas foi ontem! E ela tava tão cansada! Chegou a comentar que queria falar com você, mas eu a aconselhei a descansar... Não fique zangada com ela, tenho certeza que ela vai te ligar... Certeza, Ariel!




O silêncio no carro na volta pra casa foi aterrador, mas nada poderia se comparar ao olhar que Nina me lançou após chegarmos em casa e Ariel subir cabisbaixa as escadas em direção ao seu quarto, sem sequer nos dar boa noite.
– Quer conversar? - quase não pude escutar a pergunta, tão baixo era seu tom de voz.
– Você quer mesmo ouvir? 
– Eu acho que não tenho muita escolha, depois disso tudo... – suspirou. – A propósito... eu não tive oportunidade de falar... mas gostei do seu cabelo...




Ainda que eu resumisse, não omiti nem uma parte da minha história com Léo. Nina escutou atentamente, e sem me interromper. E mesmo depois que terminei, ela permaneceu calada por longos minutos, numa espécie de digestão.
– E agora? – finalmente perguntou. – O que pretende fazer?
– Como assim o que pretendo? Eu não pretendo fazer nada... Eu que pedi para que ela não voltasse, como posso ligar e pedir que ela desconsidere?
– Você não pensou em Ariel.
– Eu não pensei?! – exclamei um tom acima. – Quem não pensou foi ela! Ariel estava na casa de Sônia, Léo podia ter telefonado pra lá.




– Como é que ela ia saber? E depois... Ela deve estar tão magoada que até a imagem de Ariel deve fazê-la sentir-se mal.
– Porque você está defendendo a Léo?
– Não estou defendendo ninguém, Yuri. – respondeu também levantando a voz. – Estou apenas me colocando no lugar dela. Eu estaria em frangalhos se você tivesse dito pra mim o que disse pra ela! É isso!




Visivelmente abalada, Nina suspirou. Eu a puxei para mim e a segurei com força, temendo que ela desaparecesse, como mágica.
– Me desculpe, Nina... Eu não quis gritar com você, eu...
– Você ainda a ama, não é? Mesmo depois de mandá-la embora, mesmo depois de nós... – ela não conseguiu completar, e embora eu não quisesse responder, ela merecia minha sinceridade, por mais ingrata que fosse.
– Amo. – a palavra saiu como um tiro e os ombros de Nina cederam. Eu pensei que ela fosse desmontar.



– Mas estou completamente apaixonado por você... – acrescentei.
Sua resposta veio em forma de soluços e lágrimas, fazendo com que eu desejasse desistir da minha existência. 
– Por favor, acredite!




– Eu acredito em você, Yuri... – respondeu enxugando o rosto. – Acho que você está longe de ser um cafajeste mentiroso. Pelo menos essa conversa me fez cair na real... Eu não posso me esquecer de que vou embora, e não tenho o direito de te exigir nada.
– Não fale assim...
– Falo porque é verdade! Mas veja se consegue fazer um favor pra você mesmo... Se ame um pouco mais.





sexta-feira, 13 de abril de 2012

XIII – Uma Pequena Prorrogação


– Olha só quem se deu bem essa noite! – a voz de Trevor invadiu o quarto de hóspedes, me acordando de sobressalto. Com o meu movimento, Nina gemeu e se revirou na cama, mas não abriu os olhos. Nós tínhamos acabado de pegar no sono e o dia ainda não havia amanhecido.




Com algum esforço agilidade, consegui me levantar de forma rápida, evitando que Nina despertasse.
– Shiu! – murmurei. – Vai acordá-la!
Trevor estava cheirando a bebida e parecia nem estar me escutando.
– Muito bonito, heim, Don Juan! Comendo a prima alheia!




Empurrei meu amigo para fora do quarto e fechei a porta atrás de mim.
– Como é que você consegue se referir à gente dessa forma? Não que eu já não esteja acostumado... Mas a Nina é sua prima, pelo amor de Deus!
– Ela não ouviu...
– Mas podia ter ouvido!
– Ih, a'lá! Dormiu com a gata uma vez e acha que conhece ela melhor que eu? Pra sua informação, ela dorme como uma pedra, e mesmo que tivesse ouvido, me conhece o suficiente pra saber que eu estou brincado, sua bicha azeda!




Eu bufei, mas deixei-o sem resposta. Ele encarou meu silêncio como um tratado de paz.
– Mas diz aí... Como foi? Gostosa? Como é que ela peg...
– Nem tente! Não perca seu tempo! Não vou conversar com você sobre isso! Não vou! – interrompi antes de ele completar a pergunta.




– Taqueosparilll! – criar derivações para palavrões fazendo questão de enrolar a língua é, sem dúvida, um dos passatempos preferidos de Trevor – Como você é enguiçado! Tu não deu vexame não, né? Vai me dizer que você broxou?!
Novamente eu me calei, mas não o deixei sem resposta desta vez, e mostrei-lhe um gesto feio com a mão.




Esperei uma saraivada de xingamentos em revide, mas eles não vieram, ao invés disso, Trevor estava gargalhando tanto que chegou a aparar o próprio ventre. 
– Nossa! A gata mexeu tanto contigo assim, é?! Acho que desde a faculdade eu não te vejo reagir a uma provocação! Tudo bem que você já podia até ter me dado um belo de um soco, mas o seu dedo médio já é um grande avanço!



Quando finalmente parou de rir, meu amigo me chamou até a cozinha para fazermos um desjejum. Eu não estava com fome, mas qualquer lugar seria melhor do que o corredor dos quartos. Percebendo que eu não contaria absolutamente nada do que acontecera, Trevor acabou desistindo de perguntar. “Ok, não quer falar não fala! Foda-se, bundão!”




Após matar a fome de sua ressaca, Trevor se despediu com um “boa noite” debochado, e foi para o seu quarto. Eu voltei para o de hóspedes e me acomodei na cama, apreciando a beleza de Nina em seu sono profundo. 




Nina somente despertou muitas horas mais tarde. Virou-se na cama, abriu os olhos e sorriu ao me ver.
– Tava com medo que você não estivesse mais aqui quando eu acordasse.
– Eu não vou a lugar nenhum.




Já que seriam poucos, que fossem intensos. Os dias ao lado de Nina pareciam passar rápido demais e, aflito, eu acompanhava a contagem regressiva para sua partida. Juntos, também avaliávamos datas em que pudéssemos nos encontrar.
– O que acha desse aqui, feriado da independência? – perguntou mostrando seu calendário ultra organizado no iPhone. – Eu estarei na Espanha. O feriado cai numa quinta, você sai mais cedo do trabalho na quarta, enforca a sexta e chega atrasado na segunda. Teremos quatro dias pra curtir em Barcelona!
– É, simples assim! – eu sorri.




A agenda de Nina era fascinante. Repleta de viagens para lugares interessantes.
– Tem certeza que você tem um endereço fixo? Tenho a impressão que nem o seu porteiro te conhece! – impliquei.
– Pára, tá?! – reclamou manhosa. – Por causa disso eu nunca pude ter um bichinho! Sou louca por animais, principalmente gatinhos, mas não tenho como cuidar.
– Gosta de animais, é?




Levei-a ao Pôr do Sol e mostrei o trabalho que fazíamos, recolhendo animais nas ruas, tratando e promovendo feiras para adoção.
– Nossa! Que coisa linda vocês fazem por aqui, Yuri! E não me refiro só aos bichos... Por que ainda não tinha me falado desse lugar?
– Eu... Eu não sei. – não sabia mesmo. Falávamos sobre tantas coisas, mas de fato não havia mencionado o projeto em nossas conversas. – Então? Vai levar algum? – fugi pela tangente.



– Vou! Esse aqui! – puxou-me para si. Eu retribuí seu abraço, e ela descansou o rosto em meu ombro. – Vá comigo para Paris...
A frase solta com a voz embargada me fez tragar saliva e perceber, de repente, que eu desejava ir. Sim, do fundo da minha alma, eu desejava ir para Paris com ela, mas como?
– Não posso deixar Ariel...
– É, eu sei... – soluçou. – Mas eu precisava perguntar.




A data fatídica se aproximava e era visível o abatimento no semblante de Nina. Eu tentava a todo custo distraí-la, mas nem sempre surtia efeito. Porém, dois dias antes de sua partida, ela chegou a minha casa com outro ânimo. Se por um lado foi confortador, por outro foi um pouco assustador. Ela superaria minha falta, eu a perderia para o mundo.




Nós nos acomodamos no chão da sala. Nina havia mencionado gostar de Almodóvar, e eu havia escolhido "Ata-me" para uma sessão de cinema particular.
– Troquei minhas passagens. – ela avisou de repente no meio do filme, e me dei conta de que ela não devia nem saber o que estávamos assistindo.
– O quê? – surpreendi-me.
– Troquei! Adiei minha viagem, vou ficar mais um mês.
– E seu trabalho, seus compromissos? – quis saber, preocupado.
– Vão esperar! Não estou pronta pra deixar você...