sexta-feira, 30 de março de 2012

XI – Visitas


Se eu tivesse apostado que Ariel dormiria no curto trajeto para casa, eu teria perdido. Ela sequer apanhava fôlego entre as frases. “Nossa, ela conhece quase o mundo todo!” “Mas como? Ela parece tão nova!” “Mas ela não pode ser nova, com tudo que ela sabe...” “E ela é tão... LINDA!” “Você viu os olhos dela, que cor de olhos era aquela, azul ou verde?”
– Eu também não sei... – limitei-me a responder.




– Talvez sejam cinza... – repensou enquanto subíamos as escadas da varanda. – Como é que ela pode ter algum parentesco com o tio Truta, papai? Eu tô chocada! Você também gostou dela, não gostou?
A percepção da minha filha às vezes me apavorava.
– Sim... Ela é uma garota simpática, inteligente.
– Sabia que ela também é escorpiana?
– Não, eu não sabia. 
Não foi algo que perguntei e nunca me ocorreria perguntar. Não sou cético em relação à astrologia, mas também não sou curioso. Nina não me lembrou Léo em nada, mas isso não impediu que eu ficasse intrigado com a coincidência. 




Continuei o restante daquela semana “brincando de gangorra”. Fingia estar dormindo, ou entrava no banho no exato momento em que Léo passava para pegar Ariel. Porém naquele dia, minha filha resolveu entrar no quarto.
– Léo vai embora amanhã para Desiderata, você não vai descer nem para se despedir?
Continuei de olho fechado, e deixei-a sem resposta, sustentando a minha mentira. Porém, achei que não faria mal estar presente para dar-lhe adeus quando elas voltassem do passeio.




Eu não tinha muita coisa para fazer, então entrei no quarto da baixinha para pegar suas roupas sujas e me deparei com várias peças no chão. Abaixei-me para pegá-las no mesmo momento em que o telefone tocou.
– Alô, É da casa do Yuri?  – perguntou a voz que não reconheci de pronto.
– Sim, sou eu. – respondi esperando uma identificação.




– Oi, Yuri... É Nina... Tudo bem?
– Ah, olá Nina! Tudo e contigo?
– Tudo bom... Ariel está por aí?
– Hum, não... Ela deu uma saída com uma amiga... 
– É que eu estava revirando minha mala e achei umas micas e uns postais muito legais! Acho que ela vai gostar!




– Tenho certeza que sim... Quer que eu peça pra ela te ligar quando chegar?
– Pra falar a verdade eu também estava querendo uma desculpa pra sair daqui... O Trevor chegou da rua com companhia e os ruídos do quarto estão ecoando pela casa toda, você consegue imaginar?
– Não que eu deseje... – soltei uma risada e ouvi a dela do outro lado da linha, o que me encorajou. – Precisa de carona para algum lugar?
– Se você puder me fazer esse favor...




Cheguei cinco minutos antes do horário combinado e a esperei encostado no carro. Nina estava ainda mais bela do que eu conseguia me lembrar. Vestia um modelo de alcinhas e sandálias rasteiras – estilo verão, bem descontraída – e sorriu para mim enquanto descia as escadas.
– Meu salvador!




Percorremos de carro as ruas de Enseada e ela reconheceu muitos locais. Paramos em alguns deles para que matasse a saudade, como a Chácara Tropical, onde passeamos pela estufa e saboreamos um refinado e tradicional café, cercado de plantas exóticas. Também a levei a lugares novos que ela desconhecia, como o restaurante do Belladonna Tower, onde desfrutamos um almoço apreciando uma vista espetacular de um dos edifícios mais altos da cidade.




Convidei-a para minha casa a fim de esperarmos Ariel chegar de seu passeio. Sua conversa agradável e envolvente me desligou do tempo, e só percebi que era noite quando a campainha tocou.
– Caramba! Que horas devem ser? Não sabia que Ariel demoraria tanto, desculpe prender você aqui...
– Eu não estou acorrentada, estou?




Pedi licença a Nina e fui até a porta de entrada. Ariel estava eufórica.
– Léo vai voltar mesmo pra Enseada, papai! Já está decidido! Só vai pra Desiderata pra empacotar a mudança, não é Léo? Hein, hein?
– É, entre outras coisas, Ariel... Devo ficar um mês por lá, até conseguir acertar tudo... – Léo explicou.
– Não importa! Só um mês... Depois é pra sempre!




– Pra sempre é muito tempo, Ariel... – observei.
– Às vezes você é um chato, sabia?
Léo não conseguiu segurar o riso.
– Olha, eu não devia te contar nada pela sua má-criação, mas... A Nina está aí e trouxe umas coisas pra você...



A baixinha imediatamente mudou de humor.
– Jura?! Cadê ela?
– Lá atrás no deck da piscina. – respondi ao mesmo tempo em que ouvia a voz perscrutadora de Léo.
– Nina?




Ariel sumiu por dentro de casa e voltei minha atenção para Leandra.
– É uma amiga, prima do Trevor, ela mora no exterior há muitos anos e está por aqui a passeio esses dias.
– Ah, do Trevor... – deixou escapar. Léo não disfarçava sua antipatia por meu amigo. Ela havia o visto pouquíssimas vezes, portanto o conhecia apenas superficialmente. Porém, em se tratando de Trevor, era mais do que o suficiente. – Bem, parece que ela é muito legal, Ariel nem se lembrou de me dar um beijo!
– Você não quer entrar?




Léo ficou relutante de início, mas acabou aceitando o convite. Quando chegamos ao deck, Ariel e Nina estavam sentadas entre postais, micas e DVDs espalhados no chão.
– Ah! E esse aqui fui eu mesma que filmei, quando voei de balão em Queenstown, na Nova Zelândia. – ouvimos Nina dizer. – Então não ligue pra qualidade, é muito amador, e confesso que minhas mãos tremiam de medo.
Ariel soltou uma risada alta, e ao balançar a cabeça nos viu.




– Ei, Nina... Essa é nossa amiga Léo. Léo, a Nina mora em Paris... Não é um sonho?
– Sim, claro que é... – concordou sem graça.
– Eu já não conheço você de algum lugar? – indagou Nina, curiosa.
– Certamente que não... Eu me lembraria.
– Que estranho... Dificilmente esqueço um rosto. E tenho quase certeza de que já vi o seu.




Houve um minuto interminável de silêncio, e imaginei que a presença de Nina seria memorável até mesmo para Léo.
– Lembrei! – a voz de Nina cortou o momento taciturno – Você não é a esposa daquele zagueiro bonitão... Pedro Gregório? Vi uma matéria em alguma revista, porque parece que ele assinou contrato com um time da França, algo assim... E acho que você estava na foto junto com ele...
– Não é esposa, é namorada! – a baixinha a corrigiu. – E não! Eles não vão mais! Vão voltar pra cá. – concluiu, dona de si.




– Bom, eu tenho que ir... – Léo deu de ombros antes de voltar-se para Ariel. – Ô sua vira-lata! Eu vim receber meu beijo de adeus! Você me largou lá na porta e nem se despediu!
– Adeus não! É só até logo! – Ariel corrigiu Léo desta vez, e esticou-se para abraçá-la.




Levei Leandra até a varanda de entrada depois de deixarmos Ariel e Nina conversando na área da piscina.
– Ela é muito bonita... A Nina... – Léo soltou de repente. Eu concordava, é claro, mas não me manifestei, e ela mudou de assunto. – Sabe, nós tivemos aquela conversa que você sugeriu. Eu e Pedro... Você tinha razão.
– Que bom, Léo... Fico feliz por vocês...
– Mesmo? – Questionou. E eu me vi desarmado.




Escolhi cuidadosamente as palavras antes de responder. Tentei sorrir, mas não sei que expressão meu rosto tomou.
– Ok, eu não estou sendo totalmente honesto. Eu fico feliz por VOCÊ, Léo. – frisei. – Eu gostaria que as coisas tivessem sido diferentes, já te disse isso uma vez... Mas elas não foram. Eu amo você, Leandra. E sei que você sabe porque por mais que eu tente disfarçar, sufocar, esconder... simplesmente não funciona! Me desculpe por isso. Mas fique tranquila. Meu amor estará conformado e minhas emoções controladas enquanto você estiver feliz.




Léo se atirou em meu colo e me abraçou quase como da primeira vez, anos atrás, no parque preferido de Ariel.
– Você é inacreditável, Yuri. Sou eu quem lhe deve desculpas. Minha razão diz insistentemente que eu devia te deixar em paz, que estou agindo errado com você e com o Pedro, mas... Se estar perto de você sem poder te tocar parece um castigo, a ideia de não estar contigo é uma completa tortura. Eu... não sei como mudar isso... Me ajuda?





sexta-feira, 23 de março de 2012

X – Nina


Apesar da minha negativa àquele pedido velado, a conversa com Pedro me deixou sequelas. Nos dias que se seguiram, recusei todos os convites para participar das programações de Ariel com a Léo e evitava até mesmo encontrá-la na porta de casa. Aproveitava o tempo sozinho para ficar no Pôr do Sol. A baixinha por sua vez parecia estar fazendo voto de silêncio. Pelo menos comigo.
– Beleza! Aceito sua mudez como um sim. Já está pronta? Sairemos em vinte minutos.




E calada ela permaneceu até o nosso destino. Trevor havia me chamado para jantar, e embora eu não estivesse muito animado, acabei aceitando depois de ele insistir exaustivamente, e garantir que só havia convidado a família de Reinaldo além da gente. Meu amigo nos esperava na entrada. Como “bon vivant”, nunca precisou trabalhar, e sua casa elevada era o retrato mais fiel de sua ostentação.




– Tampinha! Você tá muito gata! Assim você vai matar o pobre Deco do coração!
Pensei que Ariel fosse explodir tamanha era sua vontade de responder com malcriadez, mesmo assim se controlou.
– Nem adianta provocar, Trevor! Ela está fazendo greve. Não vai falar nada...




– Ah! Entendi... Puxa vida, que pena, mas... será que ela consegue... – ele fez uma pausa dissimulada, exagerando no drama. – Prender o riso?
Trevor avançou com as mãos em cima de Ariel, que riu e se contorceu, não resistindo às cócegas. 




Porém assim que conseguiu se recompor, soltou seu mau humor em Trevor. 
– Você é tão imaturo! – Ela finalmente falou antes de dar às costas e entrar.
Trevor caiu na gargalhada diante da constatação da baixinha.
– O pior é que ela tem razão! – e ria mais ainda de si mesmo. – Bora subir! Reinaldo já tá aí com o Deco e a patroa...




– E tem mais uma pessoa que eu queria te apresentar... – ele continuou enquanto subíamos pelas escadas.
– Droga, Trevor! Você prometeu que éramos só nós.
– Mas minha prima chegou de viagem e está hospedada na minha casa! O que você quer que eu faça? Diga que ela não está convidada pro jantar porque o meu amigo cuzão tem problemas com mulheres que não possuem nome de homem? Porra, vai se fuder!



Diante de argumentos tão convincentes, eu achei por bem não levar aquele bate-boca adiante. Entramos na sala onde Reinaldo segurava um copo de bebida enquanto observa Ariel fazendo caras e bocas para um pobre e encantado Deco. A cena patética me fez questionar se não seria melhor de fato ter uma personalidade mais desapegada, como a de Trevor. 




Ao fundo, perto da subida do jirau da sala de jantar, avistei Melissa conversando com uma garota, que eu julguei ser a tal prima de Trevor. Mesmo ela estando de costas e a certa distância, era possível notar a palidez de sua pele em contraste com os cabelos muito negros curtíssimos. 




Fui arrastado por Trevor até a presença das duas.
– Desculpe interromper essa conversa que parece muuuuuito interessante, mas... Queria apresentar minha querida priminha ao meu brother aqui!
Percebendo o leve toque de sarcasmo em sua frase, Melissa sorriu.
– Ah, Trevor! Você não muda mesmo não é?




Foi nesse momento que a garota se virou e seus olhos encontram os meus. A cor da sua íris era tão clara que eu não saberia precisar se é verde ou azul.
– Olá. – cumprimentou com um sorriso discreto nos lábios generosos. O tom levemente rosado do dorso de seu nariz ressaltava as sardas, lhe outorgando um charme particular arrematado por um minúsculo piercing de brilhante.
A palavra que Trevor usou – delicinha – era um resumo muito incipiente da descrição de sua prima, embora o termo não me saísse da cabeça. O porte magro e elegante de sua figura, lhe concedia uma beleza delicada. Quase frágil.




– Prima, esse é o Yuri, pai daquela princesinha ruiva ali atrás. Um ótimo sujeito, apesar dessa aparência de enterro...
Como se lhe sobrasse simpatia, ela sorriu outra vez.
– Prazer, Yuri. Sou Nina. – até o nome combinava com aquela suavidade. – Não ligue para o que esse cabeçudo diz. Ele não tem modos! – piscou.
– É, eu já deveria estar acostumado... desde a faculdade... – fingi naturalidade.




– Mel, venha comigo. – chamou Trevor. – Quero te mostrar a última obra que fiz na minha cozinha. Um verdadeiro espetáculo em matéria de aproveitamento de espaço!
Melissa fez uma careta, mas acabou o acompanhando, sabendo que a intenção de Trevor era apenas me deixar sozinho com sua prima. Eu não sabia para onde olhar ou onde colocar as mãos.




Para minha sorte, Nina me ajudou.
– Não fique constrangido. Conheço Trevor desde criança... Sei o quanto é destrambelhado, mas também sei que é um doido do bem...
– Obrigado, Nina... Sabe, o maior divertimento dele é me ver de saia justa...
Novamente um sorriso iluminou seu rosto, desta vez com um toque de malícia.
– Não sei se isso é uma má idéia... Aceita uma bebida?




Sem cerimônia, ela nos serviu vinho e conversamos até a governanta anunciar o jantar. Ela me contou que mora em Paris desde a adolescência, formou-se em História, especializou-se em História da Arte e é curadora de um museu, além de possuir sua própria galeria na Cidade Luz.
– Conhece Paris?
– Estive lá uma vez, quando era criança, com meus pais. Não me lembro de muita coisa, a não ser meu pai reclamando de tudo... Da comida, dos serviços... Ele achava os franceses arrogantes, e eu me perguntava se os franceses não achavam o mesmo dele.




Nina soltou uma risada leve e gostosa.
– Então, o convite está feito. Não quero que tenha uma impressão ruim da minha Paris, nem dos meus amigos franceses! Venha nos visitar e prometo te fazer mudar de opinião.
– Ah! De forma nenhuma tenho uma impressão ruim de lá. Mas aceito o convite de bom grado.
Do outro lado da sala Trevor parecia saborear cada diálogo, cada troca de olhares entre nós dois, e eu me senti de volta ao colegial.




Durante o jantar, Nina chamou a atenção para si, com uma conversa que equilibrava assuntos sérios e engraçados sobre as culturas com as quais teve contato. Ariel, que perdera o posto de atração principal, curiosamente se mostrou interessada na novidade, ao invés de apresentar a carranca de ciúme que costumava adotar quando algo assim acontecia.




Reinaldo e Melissa se despediram pouco depois, uma vez que Deco se mostrou bastante sonolento. De maneira inversa, Ariel estava super participativa, perguntando sem parar a respeito das cidades da Europa por onde Nina passeou. Nina por sua vez respondeu pacientemente ao questionário completo, sempre esbanjando simpatia.




Quando olhei o relógio, já era madrugada e passava da hora de Ariel estar na cama.
– Gostei muito de conhecer vocês, Yuri. A sua filha é a coisa mais gracinha! 
– Ah, meu Deus! Ela nem te deixou respirar... Desculpe.
– Imagina! A curiosidade dela é muito parecida com a minha... Sempre desejei conhecer lugares, pessoas, culturas... Você vai ter um pouco de trabalho...
– Acredite, eu já tenho! 



Ela sorriu amável novamente. Eu não sabia direito o que dizer.
– Espero que curta a cidade, pelo menos você está com um ótimo anfitrião, ele sabe onde estão os programas mais divertidos.
– Ah sim, isso quando ele não me largar atrás da primeira piriguete de shorts que passar...
– Bem, estamos de férias também, fale pro Trevor ligar... Tenho certeza que Ariel ia adorar te fazer companhia...




– Só a Ariel? – Perguntou fitando meus olhos. Eu sustentei o olhar e eu me senti compelido a dizer a verdade.
– Eu também... 





sexta-feira, 16 de março de 2012

IX – Subentendido Não Atendido


Eu não tinha de fato muita coisa para fazer a não ser algumas roupas e louça para lavar. Sem prestar muita atenção às tarefas, planejei uma programa para quando Ariel chegasse: pediria uma pizza, escolheríamos alguma coisa para assistir e sei que ela cairia no sono lá pela metade do filme. Terminei rápido e me recostei no sofá para ler enquanto esperava.




Pelo vidro da sala vi minha filha subindo as escadas acompanhada de Pedro. Não avistei Léo em nenhum lugar. Levantei-me para abrir a porta e Ariel estava se despedindo com um abraço.
– Tchau, tio Pedro... Brigada!
– De nada, baixinha! Até a próxima!




Ariel tomou o rumo das escadas em direção ao seu quarto.
– Direto para o banho, hein porquinha! Nada de deitar na cama sujinha desse jeito! – Então voltei-me para o Pedro. – Obrigado.
– Não tem de quê. – Ele respondeu, mas não virou-se para ir embora. Eu tentava imaginar porque Léo não tinha vindo com ele.




– Léo teve uma indisposição e eu a deixei em casa antes de vir. – Pedro respondeu a pergunta que eu não fiz. 
– O que houve? Ela está bem?
– Sim, ela está bem, deve ter sido o calor... Bem, de certa forma foi providencial. Tem algo que quero te perguntar... Você tem um tempinho?
– Claro. Você quer entrar? – Convidei consciente de que ele não aceitaria.
– Não, obrigado. Prefiro que seja aqui fora.




Saí para a varanda. A noite havia acabado de cair e o cheiro de maresia me embrulhou o estômago, mas talvez não fosse isso. Pedro olhou para o mar e houve um tempo de silêncio antes que começasse a falar.
– Qual é a sua, Yuri?
Eu não entendi. Não era eu quem deveria achar estranho ele estar ali?
– Como? O que quer dizer?




Pedro se virou para me encarar. Havia sinais de rancor em sua expressão e seus olhos estavam úmidos.
– Ah, por favor! Não me faça explicar o óbvio!
Tudo bem, admito que não estava totalmente dessituado. Mas não ia responder a uma pergunta tão inespecífica. 
– Então seja mais claro com a sua pergunta, Pedro.
– O que você pretende com a Léo? O que espera de sua relação com ela? – ele fez uma pausa. – Está claro agora?





– Não pretendo nada que eu já não tenha. Achei que você sabia disso, levando em consideração todos os anos que se passaram desde que nos conhecemos.
– Eu não confio em você.
– Nem eu espero que confie. Mas sei que você confia na Léo. Qual é o seu medo?
– Eu não estou com medo! – Exclamou quase ofendido.
– Então porque está aqui? E me fazendo essas perguntas?




Pedro soltou um suspiro profundo.
– Sinto que tenho mais do que mereço. Ou do que um dia sonhei ganhar. Sabe, eu acompanhei os relacionamentos da Léo... Ele teve vários namorados e transou com todos eles. Transou até com caras que nem eram seus namorados, eram apenas... “caras”... Eu soube de cada um deles, a maioria ela mesma me contava, de outros eu fui testemunha, contra minha vontade. Não vou dizer que foi agradável, mas eu nunca tive ciúmes de nenhum, porque no fundo eu sabia que nenhum tinha o que nós dois tínhamos. Uma ligação que ia além da atração física, ou do sexo, pura e simplesmente. E colocava minha confiança no fato de que Leandra nunca iria se apaixonar por ninguém, mesmo que nunca fosse minha. Então sempre teríamos algo especial. Até aparecer você.




– Não espero que você acredite em mim, Pedro, mas nunca foi minha intenção. E é óbvio que não estamos juntos, então continuo não entendo o motivo desta conversa.
– Você sabe que estamos voltando pra Enseada, não sabe?
– Soube desta possibilidade, sim...
– Eu consigo suportar a idéia da Léo andando com você pra baixo e pra cima, uma ou duas vezes por ano, como é de costume. Mas não sei vou conseguir conviver com isso o resto da minha vida quando voltarmos a morar aqui.
– Não pode me culpar por isso, eu não tive nada a ver com essa decisão. 




– Eu sei. É só que...
Eu entendi a sua intenção, finalmente.
– Por favor, não me peça, Pedro. Eu não a procuro e você sabe, mas, por favor, não me peça para impedi-la de vir, se é por vontade que ela vem. Eu não tenho tanta força pra pedir isso pra ela. E nem tenho vontade! Não posso fazer isso, sinto muito.
– Tem alguma idéia do quanto é difícil pra mim? Eu sequer tenho coragem para pedir pra ela não vir, porque não quero ter que fazê-la escolher.
– Ela escolheria você.
– Eu não estou tão certo disso.




Ele não esperou outra resposta. Desceu a varanda, entrou no carro e partiu. Eu fiquei ali parado um tempo, tentando digerir aquela conversa. Não tinha dúvidas de que ela escolheria não me ver nunca mais se Pedro assim lhe exigisse, porém ele não parecia inclinado a pressioná-la em nenhuma hipótese. Até que ponto conseguiríamos levar essa situação sem abrir mais feridas?




– PAI! – ouvi o berro de Ariel atrás de mim. Nem a tinha visto chegar. – Estou te chamando há eras! Ficou surdo?! Tá fazendo o quê aqui fora?
– Só... apreciando a paisagem... – respondi.
– Afe! – bufou. – É igual a de ontem e de anteontem!




– Ah, não... Se você reparar direitinho, não é não... – Disse voltando para dentro, e conduzindo Ariel comigo. – Então... eu estava pensando em ver um filme... Que tal?
– Hummm, ótima idéia!
– Quer que eu faça pipoca ou pedimos uma pizza?
– Pipoca, pipoca!!!